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Sesta de Domingo

É muito fácil ser maldoso em relação aos candidatos presidenciais, tal a sua vulnerabilidade e tantos os seus defeitos. Que um é trotskista, outro uma simples lebre de uma corrida de fundo destinada a outros e que ambos parecem preocupados apenas em marcar o espaço dos seus partidos, que outro ainda, sendo Alegre, não ri, que outro apresenta uma mandatária da juventude que, de tão vistosa, mais acentua a decrepitude do mandante, outro, finalmente, que refugiando-se tanto na rigidez de postura da esfinge (ou no silêncio sepulcral da múmia) acaba por dar a ideia de nada ter a dizer.

É verdade que o silêncio é de ouro. É verdade que quem pouco fala pouco erra. É verdade que a táctica eleitoral aconselhada pelos peritos manda conservar a vantagem que as sondagens apontam e que essa vantagem parece diminuir cada vez que o candidato abre a boca. Mas é verdade também que cada português exige e espera mais de um possível presidente da república. Se ele se cala agora, nada há que garanta que fale depois, ou que fale nos momentos cruciais, naqueles em que cada português lhe exigir que cumpra o seu mandato.

Da maior parte das declarações dos principais candidatos percebe-se a resignação ao esvaziamento das funções presidenciais. Depois de enumerarem parte dos muitos problemas que afligem os eleitores, acabam por reconhecer que a sua solução compete ao governo. E logo prometem, função não presidencial, “colaborar” com o governo “no estrito respeito das competências de ambos os órgãos”, que é o mesmo que dizer que às quintas-feiras o primeiro-ministro se deslocará ao Palácio de Belém para ouvir as presidenciais opiniões e depois regressará ao trabalho, lamentando as horas entretanto perdidas. Cavaco diz mesmo que pretende ser uma “força de desbloqueio”, hoje sinceramente arrependido dos seus dislates do passado. Só lhe falta dizer que quer ser presidente para deixar trabalhar os outros. Pergunta-se agora: será isto sincero ou não passará de calculismo eleitoral, reservando o candidato as suas verdadeiras intenções para o dia seguinte?

Chegamos então ao momento da escolha. Trotskista não sou e estou aqui, na solidão da cabina de voto, boletim e caneta na mão, para votar num presidente da república – não para marcar uma ou outra posição política. Alegre concorda com tudo o que o Cavaco diz, o que faz com que eu não concorde com nenhum dos dois. Soares só abre a boca para falar mal do Cavaco e eu imagino-o a dormir nas reuniões do Conselho de Estado e a falar imediata e instintivamente mal do Cavaco – assim que alguém faça o favor de o acordar.

Vai estar frio em Janeiro, nesta fria cidade da Guarda. Naquele domingo vou acender a lareira, como de costume, e ler os jornais deitado no sofá. Entretanto, enquanto muitos outros vão votar, vai dar-me aquela modorra própria dos domingos e vou acabar mesmo a dormir. Espero que não tenham o mau gosto de me acordar antes do fecho das urnas.

Por: António Ferreira

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