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Sem vacina contra os extremismos

A Europa depara-se com múltiplas crises. Refugiados, ameaça de deflação e estagnação económica e “Brexit” são os exemplos na ordem do dia. Em paralelo, a crescente erosão do centro político e o crescimento dos extremos não ameaça somente a coesão da UE, coloca em causa o que de melhor a Europa construiu no pós-guerra: o nosso modo de vida.

Os extremos, em especial a extrema-direita, estão a galgar terreno na Europa Central e do Norte. Para além do Grupo de Visegrado, com destaque para os regimes quase-autoritários na Hungria e, agora, também na Polónia e na Eslováquia, a extrema-direita venceu a primeira volta das presidenciais austríacas, derrotando os partidos do centro-esquerda e centro-direita coligados no Governo.

A Alternativa para a Alemanha (AfD), que agora confirmou ser um partido anti-imigração e anti-islão, aproveitou a política de portas abertas face aos refugiados da chanceler Angela Merkel e a amalgamada coligação CDU-SPD para se assumir como alternativa ao cada vez mais indiferenciado centrão. E a França só quer evitar que no próximo ano Marine Le Pen chegue ao Eliseu. Para já sem resultados evidentes. Como escreveu esta semana Wolfgang Münchau, as grandes coligações na Europa estão a fortalecer os extremos.

Com particularidades e causas diversas, também nos periféricos que foram alvo de programas de assistência financeira – Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha (o resgate espanhol cingiu-se ao sistema financeiro) – se assistiu à erosão do centro político. E tal não se deveu a questões meramente económicas, porque a Irlanda cresce 8% e Espanha 3%.

Na Grécia, destruído o bipartidarismo, há um Governo entre dois partidos dos extremos, o Syriza, de esquerda e que substituiu o Pasok, e os Gregos Independentes, da ala direita. Em Portugal, apesar do centrão se ter aguentado, foi o crescimento da extrema-esquerda que permitiu a inaudita solução de um Governo das esquerdas. E na Irlanda há um impensável acordo entre os históricos inimigos do centro-direita (Fine Gael e Fianna Fáil, que formavam o bipartidarismo irlandês), de costas voltadas desde a guerra civil, precisamente proporcionado pela fragmentação parlamentar resultante das eleições de fevereiro. Já em Espanha o mais polarizado Parlamento desde a transição democrática confirmou a morte do bipartidarismo e chamou ao palco o Podemos e o Cidadãos. Após quatro meses de conversações inconclusivas, ninguém arrisca garantir que as novas eleições de 26 de junho permitirão formar Governo.

Transversal aos eleitorados de todos estes países sobressai um enorme descontentamento em relação à progressiva transferência de soberania para Bruxelas, sem que a tal corresponda qualquer tipo de legitimação fáctica, ou sequer aparente. Algo verificável tanto numa economia capaz como a alemã, como numa depauperada como a portuguesa. Como já notou Otmar Issing, ex-economista-chefe do BCE, sem soberania o processo de transferência de competências para níveis cada vez mais elevados criará um enorme défice de legitimidade. Se o problema não está somente no doente e há um vírus comum, então há que mudar a vacina.

Por: David Santiago

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