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Selecção Natural

1. A METAMORFOSE

Quando certa manhã Gregório Oppidano despertou de um sonho agitado, viu que se transformara, durante o sono, numa horrível barata.

Percebi depois porquê. Tinha-me esquecido de comprar o SOLno dia anterior. “Corri” então ao quiosque da frente, à socapa. O empregado, vencendo a repugnância, informou-me que o semanário tinha esgotado, num ápice, logo na manhã de sábado. Rastejei penosamente até casa, e ainda fui pregar um valente cagaço à vizinha boazona do lado. Vista de baixo, convenhamos, até valeu a pena. A custo, consegui ainda visitar o site radioso. Fiquei a saber que os 128 000 exemplares postos à venda se esgotaram em todo o país. E ainda por cima a edição não estava disponível on line! Com medo que o gato me comesse, fui um bocado até ao esgoto, para ordenar as ideias. Para já, nunca mais acreditarei naqueles gajos que dizem que o sol, quando nasce, é para todos. Depois, estava já pronto para mandar mais umas achegas sobre os custos da interioridade, tipo “ninguém se lembra de nós”, etc. Mas nem isso será possível, pois o jornal esgotou em todo o lado. Até na Madeira. Para já, vou-me conformar à clandestinidade durante uma semana. E juro-vos, caros humanos, que no próximo sábado, logo às 7 da manhã, vou irromper da sarjeta junto ao quiosque, com ar ameaçador, pôr toda a gente em debandada, pegar no jornal com as pinças e rastejar até à máquina do café do bar em frente. É mais do que óbvio que, nesse momento, voltarei ao meu aspecto normal. Mas a vingança será terrível…

2. O OUTONO, FINALMENTE

Após meados de Junho, é quase uma fatalidade: anseio sempre pelo regresso do Outono. O Verão com “seus potros fulvos”, como escreveu Eugénio de Andrade, é para mim um período descolorido, pleno de uma agitação inconsequente. Mas com os primeiros alvores do Outono, é a matéria e o espírito que se envolvem numa dança impensável, e um despertar luminoso começa a envolver a memória. A natureza recolhe-se, mas esse espaço é preenchido pelo tempo, fazendo-nos saber o que ainda espera por nós. O resto é conhecido: a infindável paleta de cores, os aromas que pairam no ar, a luz que se vai despedindo com um secreto pudor, as castanhas e as nozes que se apanham ao final da tarde. E sobretudo o vento já agreste, que nos recorda a fundamental efemeridade da vida. Como dizia Teixeira de Pascoaes, não sei se a pensar nesta época, “quando a folha cai, a alma sobe”.

3. UMA AVENTURA NO PAÍS DO SIMPLEX

Recentemente, chegou-me ao conhecimento mais um caso insólito, demonstrativo de como a Administração Pública lida com os cidadãos. Um amigo meu, desempregado, após consulta das acções de formação disponíveis no IEFP, inscreveu-se num curso intitulado Gestão de Instituições Sociais, destinado a ACTIVOS qualificados, note-se. Passados uns meses, recebeu uma convocatória para se deslocar ao Centro de Emprego da Guarda, referente ao mencionado curso. Pois bem, à hora marcada apresentou-se e, após uma breve apresentação, fez uns testes psicotécnicos. Passados uns dias, foi lá novamente, para uma entrevista que concluía o processo de selecção e entregar uma declaração em falta. Foi-lhe dito que reunia todas as condições para frequentar o curso, que começaria em Outubro. Três dias depois, é informado por telefone que, afinal, já não podia ser admitido, uma vez que, embora dado como desempregado, tinha actividade aberta nas finanças. É claro que o meu amigo ficou estupefacto, pois a sua actividade profissional habitual é residual. Por outro lado, após ter questionado os serviços, foi informado que o curso, embora estivesse previsto na modalidade pós-laboral, tal não fora contemplado para este Centro. Parece mentira, não parece? Gostava então de saber para que é que existe o IEFP? Pelos vistos, em vez de dar conta das condições reais dos utentes que a ele acorrem, faz uso de práticas e de regras absurdas, privando as pessoas que REALMENTE precisam, de se valorizarem para o mercado de trabalho. Que graças a umas habilidades estatísticas, se vai tornando num mero agente de propaganda dos Governos, manipulando os números para parecerem mais pequeninos e cada vez mais próximos da ficção.

Por: António Godinho

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