Arquivo

Selecção Natural

1.GANDA FEZADA!

Em Portugal há um fenómeno sem paralelo, na importância e no relevo mediático: as juventudes partidárias. Autênticos programas de ocupação de tempos livres para ilustres debutantes, que um dia, se tudo correr de feição, se tornarão peças de estimação da tralha partidária. É irresistível: os dirigentes seniores não descansam enquanto a aura mediocritas não for ultrapassada, num mecanismo compensatório. Para isso, lá estão as jovens inutilidades à espreita de um lugar ao sol. É um padrão estatístico, por muito que custe aos analistas de serviço. Mas nada, mesmo nada, poderá suplantar a solene nulidade de um António José Seguro, ou de um Manuel Monteiro, ou de um Pedro Duarte, ou da melancia Heloísa Apolónio, ex-miniaturas de típicos caciques partidários e conhecidos ex-dirigentes jotas. Autênticos case studies à espera dos politólogos e dos psicólogos sociais.

Esta introdução serve para um apontamento acerca do Congresso da JS, que decorreu recentemente na Guarda. Ora, segundo informações que me chegaram, os meninos portaram-se à altura. Nada de reivindicações fracturantes, como outrora. É claro que o chefe veio, viu e, que decorreu recentemente na Guarda. Ora, segundo informações que me chegaram, os meninos portaram-se à altura. Nada de reivindicações fracturantes, como outrora. É claro que o chefe veio, viu epérolas do pensamento político contemporâneo, encontradas numa das moções votadas. Espero que o Gato Fedorento dê conta deste filão. Estão preparados? Ora aqui está:

“Dificilmente um grupo de 25 jovens brancos, todos homens, produzirá ideias realmente inovadoras.”; “Vamos abandonar as frases feitas e os jargões (a começar pela palavra jargão!); “Vamos juntar JS e uau na mesma frase!”; “Pensamos que já ninguém questiona que o mundo está a mudar e depressa. E já há algum tempo, perguntem ao Camões!”; “Podemos falar de cegonhas ou do lince ibérico, ainda é assim é política!”; “Aos jovens cabe escolher entre a JS e o ginásio. JS ou Morangos com Açúcar?”; “A Europa é um conteúdo, não um continente.”; “Precisamos de aumentar a natalidade.”; “Temos que nos livrar da dependência do petróleo.”; “Devemos racionalizar, diversificar. A aposta num só cavalo não parece uma estratégia acertada.”; “A opção pelo nuclear não deve ser negligenciada.”; “O potencial da energia solar é igualmente imenso.”; “Ninguém é dono das nuvens.”; “Cérebros tristes não produzem.”; “Acabou o sexobofismo e o secretismo. Tabus já eram.”; “Todos somos sexuais.”…

Baril, ó pessoal! Mas por favor deixem o Camões fora disto, está bem? E já agora, quando for para natalizar, não usem a camisinha, vale?

2.BOLAS, ISTO É CULTURA!

Diariamente, é difundida, a partir da RDP-Centro, a rubrica “Centro Cultural”, apresentada pelo inefável Sansão Coelho. Trata-se de uma versão minimalista e radiofónica do saudoso “Acontece”, onde são divulgadas as realizações culturais na região Centro. Mas entre a intenção e o resultado a distância é abissal. Para já, fica-se sempre com a ideia de que quase tudo acontece em Coimbra. O resto é paisagem. Depois, a locução do mítico Coelho resulta num meio-termo entre a célebre caricatura do Herman do repórter da rádio e um apresentador de uma casa de fados para turistas. O homem só não declama um poema logo ali, em louvor do Penedo da Saudade ou do Choupal, porque o tempo é escasso. O fraseado rebuscado, tipicamente coimbrão, não engana ninguém.

Mas o que é pior, ao ouvir este programa, fica-se com a sensação de que a cultura serve exclusivamente para passar os “tempos livres”. Que a cultura do evento é rainha, revelando-se como uma melíflua e prosélita epifania, na voz nasalada de Sansão pós-desbaste capilar. Como uma conveniência apaziguadora das fundamentais diferenças, das tensões éticas. Como o carrossel da indiferenciação (a)crítica. Tudo o resto, a cultura como fermento de novos modelos de vida, de diferentes percepções do mundo, fica de fora da canónica agenda. Em nome, claro está, das louváveis iniciativas para matar os “tempos livres”. Não vá o diabo tecê-las.

Por: António Godinho

Sobre o autor

Leave a Reply