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“Saundbáites”

Sentado no meu carro a aguardar pela abertura da loja ouço, ribombando pela rua fora, qual trovão anunciando tempestade, uma música pimbalhona e eis que passa por mim um carro com os vidros abertos e um tipo ao volante, provavelmente surdo, tenta mostrar orgulhosamente, pelas ruas de S. Vicente, a sua falta de gosto musical. Quase instantaneamente, porque a inspiração é mesmo assim, encontrei o mote para escrever este artigo.

Afinal o que é proibido e o que deveria ser proibido, e não é, enquanto se conduz? O que se pode e não se pode ter na área de influência do condutor de modo a não prejudicar o seu desempenho?

O telemóvel parece-me uma proibição lógica, pois falar, implica um teletransporte para o lado do interlocutor e aí o ato de conduzir passa a ser o de um piloto relativamente automático, pelo que o tempo de reação fica claramente diminuído em caso de emergência. Mas será que o facto de alguém falar ao volante com um kit mãos livres ou um auricular não terá o mesmo efeito hipnótico? Quem nunca viu condutores a discutir e a gesticular furiosamente ao volante enquanto falam sozinhos? Está claramente estudado que falar, de qualquer modo, ao telemóvel enquanto se conduz é perigoso.

Mas então o que dizer dos atos de fumar ou comer ou beber? Porque existirão cinzeiros e porta-copos e/ou tabuleiros retráteis na área de influência do condutor? O ato de acender um cigarro e fumá-lo também acarreta distrações e perigos; utilizar o isqueiro do carro, soltar o morrão pela janela entreaberta ou deixar cair o cigarro no colo com o consequente grito de pânico e o reflexo instintivo de ocupar ambas as mãos no socorro às “jóias da família”, não representarão estes atos hipotéticos perigo? Porque não é então proibido fumar enquanto se conduz? Não estou a ser fundamentalista, apenas estou a ser factual.

E o que dizer de ir ao Mac e atafulhar o carro de bebidas e depois comer e beber enquanto se conduz, com a mãe a distribuir à família o “lixo calórico”enquanto a viagem prossegue, não será também perigoso? Se é provavelmente proibido, porque será que os nossos automóveis, com os fabricantes cada vez mais preocupados com a segurança ativa e passiva, cheios de airbags e comandos no volante, insistem, por outro lado, em manter os carros com cinzeiros e isqueiros e porta copos e tabuleiros?

E o que dizer dos tipos que insistem em decorar o para-brisas com autocolantes, árvores desodorizantes e rabos de raposa, bem como com corações iluminados e outros penduricalhos, não será também um perigo para a condução? Então porque não se proíbem estas decorações e se obriga a ter o campo de visão sempre completamente desimpedido?

Porque é que não se pode usar um auricular para falar ao telefone e, no entanto, se permitem aparelhagens áudio com woofers e subwoofers e twiters com centenas de watts aos berros? Como farão os “pimbófilos” para ouvir as buzinas de aviso ou o apito de um agente da autoridade se os decibéis os colocam no limiar da surdez? Recordo que havia, nos anos oitenta do século passado, na Guarda, um indivíduo que, ao volante do seu BMW azul de matrícula francesa, se passeava em altos berros pela cidade ao som dos “eruditos” Gipsy Kings. Diziam as más línguas que era para anunciar a posse e intenção de venda de “produto” vindo diretamente da Tailândia, ou melhor, de Ciudad Rodrigo, mas para mim não passava de um pobre diabo a clamar por atenção, e tinha-a!

– “Olha, lá vem o gajo do BM, não haverá por aí um míssil para lhe acabar com a música?”

Por: José Carlos Lopes

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