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SAPE, SAP e SUB, ou como exibir sinais exteriores de riqueza com pouco dinheiro

sinais do tempo

“Sape” é o calão francês para trapos ou vestuário (in Le Robert). Mas no Congo, desde há algumas décadas, que “sape” representa um movimento de culto de moda e quem o pratica afirma que ” estabelecem a sua identidade e auto estima pelo que vestem”, conforme se pode ler na “Pública” de dia 10 do corrente mês. O problema é que este culto assenta em peças de roupa ou adereços caríssimos e quem os compra não tem emprego, nem casa ou carro e todo o dinheiro que obtém (lícito ou ilícito) é canalizado para adquirir peças de estilista, algumas de gosto duvidoso. A compra pode ser a pronto ou a prestações.

Ser “sape” é então uma filosofia de vida, é viver para as aparências, é vestir uns trapos caros, independentemente de haver ou não dinheiro para comer. O movimento “sape”, não é um exclusivo da Republica Democrática do Congo. O futuro aeroporto da Ota e o TGV, num país que tem edifícios públicos (veja-se o Hospital da Guarda) com graves problemas a precisarem de obras ou de substituição, são sinais claros do movimento “sape” em Portugal. A época natalícia é também um bom exemplo da filosofia de consumo “sape” que há em todos nós.

Em contraponto os SAP tiveram morte anunciada para o passado dia 4. Foram reanimados mas mantêm-se em coma e a morte vai atingi-los inevitavelmente. A Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências apresentou em 6 de Outubro as sugestões para uma Nova Rede de Urgências. Entre outros quesitos tiveram em linha de conta a redução da percentagem de população a mais de 60 minutos de um Serviço de Urgência, tendo como meta a atingir os 90 por cento com acesso em 30 minutos nas zonas rurais e 15 minutos nas áreas urbanas, tentando aproximar a realidade nacional do nível europeu. Mas, para isso, introduziram outras variáveis igualmente importantes, como a equidade, acessibilidade, segurança, qualificação e a rentabilização de recursos. A rede proposta para dar resposta aos quesitos de acessibilidade e equidade (princípios constitucionais) deveria contemplar 100 por cento da população. Mas a única forma de atingir este objectivo é desertificar ainda mais as aldeias e fazer deslocar a população para os centros urbanos. Acabe-se de vez com as aldeias e envolvam-nas com arame farpado, para satisfazer os senhores da(o) capital.

O panorama não é risonho para o distrito, encerrando todos os SAP, excepto os de Seia e de Vila Nova de Foz Côa, que são elevados a SUB (Serviço de Urgência Básica). Utilizando os mapas de GPS e cruzando com os dados do último censo, percebemos mais de 10 por cento da população (seja urbana ou rural) ficará a mais de 30 minutos de um Serviço de Urgência. Esqueceram-se da sinistralidade viária, ficando a A25 por exemplo, sem qualquer apoio médico entre Vilar Formoso e Mangualde, excepto a fornecida pela VMER e Hospital da Guarda. Esqueceram-se também da flutuação da população nas épocas festivas e de férias. Assim, deveria ter sido proposto um SUB em Pinhel ou Almeida, outro no Sabugal e outro em Celorico da Beira ou Trancoso, independentemente da rentabilidade e do número de clientes nocturnos. A comissão preconiza e bem, que os SUB devem ter dois médicos e dois enfermeiros, além dos meios auxiliares de diagnóstico e respectivos técnicos. Mas vai mais longe e no que diz respeito a Foz Côa propõe que venha a ser promovido a SUMC (Unidade Médico Cirúrgica).

A pergunta impõe-se, no dia 4 de Dezembro, estavam os SUB integralmente preparados? No que diz respeito ao de Seia, e atendendo a que funciona num Hospital Distrital, não temos dúvidas que sim. Mas o SUB de Vila Nova Foz Côa estava então dotado do material técnico e exames complementares preconizados pela comissão? A data escolhida não deu tempo sequer a que fossem analisadas as propostas efectuadas durante o período de 30 dias de discussão pública. Só agora a Secretária de Estado está a receber alguns dos Presidentes de Câmara. Teremos que concluir que a urgência em fechar os SAP se regulou apenas por motivações económicas. Que alguns devem ser fechados em nome da rentabilização de recursos e da melhor competência técnica, ninguém duvida. Mas encerrar em cima do joelho, apoiando-se num relatório sério, mas fingindo desconhecer as realidades locais, é asneira da grossa.

Quanto ao socorro de emergência, a comissão recomenda uma ambulância por cada 40.000 habitantes, contudo, internacionalmente, recomenda-se que 75 a 90 por cento das respostas a situações de emergência decorram até aos oito minutos. Por outro lado, uma viatura médica por cada 200.000 habitantes será suficiente, se for devidamente coordenada e se as ambulâncias do INEM passarem a ser verdadeiramente medicalizadas, não apenas com tripulantes de ambulância de socorro, mas com paramédicos ou enfermeiros com cursos de emergência e que actuem segundo protocolos previamente validados. É isto que os senhores autarcas têm que exigir para as populações, não uma VMER em cada concelho.

Entretanto, a nova rede de referenciação leva a que o Hospital da Guarda “perca” os doentes urgentes de Fornos, Gouveia e Seia, que serão orientados para Viseu. Considerando que Gouveia está mais próximo da Guarda e que Seia está equidistante, qual foi o critério que levou a esta alteração?

A reestruturação da urgência e emergência é importante e premente, mas deveria passar por uma melhor avaliação das realidades locais e uma melhor diferenciação dos meios de socorro urgente, não passando exclusivamente pelo que parece mais fácil – o encerramento simples dos SAP.

Por: João Santiago Correia

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