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Salomão fatiado

Observatório de Ornitorrincos

Este é o fim-de-semana da Páscoa, que encerra diferentes práticas e significados de acordo com as diversas crenças religiosas. Por exemplo, a Páscoa é uma festa que dura sete dias para os judeus e apenas quatro para os funcionários públicos. No entanto, apesar desta disparidade na quantidade de dias santos pela Páscoa, estes dois povos têm mais em comum do que aparentam. Não apenas se consideram povos escolhidos como o Senhor fala para ambos com voz tonitruante. Refiro-me, respectivamente, a Deus no Velho Testamento e ao Primeiro-Ministro no órgão oficial do Estado (às vezes no “Diário da República” também). E estas não são as únicas coincidências. Repare-se: tanto Jeová como José Sócrates estão em todo o lado, um como outro sabem tudo – mesmo quando fingem que não – e são vingativos com quem não lhes faz as vontadinhas. Há ainda outra característica partilhada, embora reconheça ser do âmbito da fé individual: eu nunca fui capaz de acreditar nem em Deus nem no Primeiro-Ministro. Espero que os crentes mais fundamentalistas me perdoem esta herética comparação. Não me apetece nada lidar com socialistas furibundos.

A Páscoa é uma festa da comunidade, de partilha e celebração. Por esta razão, a RTP, a SIC e TVI já programaram tardes e serões inteiros com filmes sobre Cristo, mártires cristãos do Império Romano e as tácticas de Paulo Bento (tudo relacionado com o tema “crucificados”), para que cada um de nós possa partilhar a sua Fé através da televisão que tem no quarto. Esta partilha comunitária pode também podem ser observada na sala comum, desde que os miúdos estejam a brincar ou a ver pornografia na internet e a visita pascal do senhor prior já tenha desandado.

A propósito da Semana Santa que agora atravessamos – desconfio que a semana foi adjectivada “santa” pelos professores, mas não quero elaborar muito mais – voltei a ler as Sagradas Escrituras: “A Causa das Coisas” de Miguel Esteves Cardoso.

Mas queria aqui dar conta de um outro livro fascinante, também já com várias edições: a Bíblia. Para quem não conhece, a Bíblia é um livro de contos de vários autores, dividido em duas partes. Na primeira, a personagem principal é o pai, na segunda, é o filho. No fundo, é uma obra bastante simples. No espaço que me resta gostava de me ocupar com a trilogia salomónica publicada no Velho Testamento – a tal primeira parte.

A Bíblia contém três livros atribuídos ao rei Salomão, governante de bons conselhos e mau feitio – ao que parece, foi esta majestade que meteu um conhecido génio dentro de uma lamparina, onde permaneceu encerrado vários séculos até ser libertado por um tipo que praticava pesca à linha. As histórias das Mil e Uma Noites tornariam célebres as palavras do génio para o pescador: “Concedo-te três desejos por me teres libertado, mas antes deixa-me ir à casa de banho.”

Para os menos eruditos nestas coisas da história bíblica, Salomão era uma espécie de Mário Lino: só estava bem a mandar construir obras públicas. Mas a Salomão atribuem-se também três livros, nenhum deles sobre cimento: os sensatos Provérbios, o introspectivo Eclesiastes e os tarados Cânticos. Estas características destes textos estão também presentes nos últimos seis anos do “Observatório de Ornitorrincos”. Para quem ainda lê isto – olá, Mãe! – é de uma grande sensatez aquele que, no meio das minhas introspecções, perceber que sou tarado. No entanto, estou convencido que o rei Salomão escreveu estes três livros para me apoucar. Veja-se um exemplo de cada um dos livros e como o reizinho optou por utilizar a Bíblia para me insultar, ainda que com a mais pura justiça, precisamente, salomónica.

Provérbios: “Honroso é para o homem o desviar-se de questões, mas todo o tolo se entremete nelas”, que é como quem pergunta “mas para que raio te pões a escrever parvoíces como estas sobre coisas sérias como o PS?”;

Eclesiastes: “Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir alguém a canção do tolo”, que é o mesmo que dizer “esquece lá esta porcaria deste texto e vai mas é ler o António Ferreira”;

Cânticos: “O teu cabelo é como o rebanho das cabras, os teus dentes são como o rebanho de ovelhas”, uma forma bastante peculiar – ou ao jeito de Cesário Verde – de criticar os meus hábitos de higiene.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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