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Roo as unhas

Sim, roo as unhas pela carne dentro, nas vezes em que por morder-te escapou-se a raiva que em mim cometo, e o crime que em mim fechei. Sim vou morder as pontas dos dedos enquanto penso e conduzo, enquanto vejo um cinema que me preenche, enquanto me escapa a força numa dor que trinco. Eu trinco e mordo e roo e desfiguro as mãos naqueles momentos que podiam ser outros. Roo porque roo e não sei porquê…

Também porque me enervo, porque me frustro, porque me entrego, porque me envolvo. Roo porque sinto. Vou para a praia e roo, vou no avião e roo muito mais. Eu sou um roedor de mim. Caramba, os dedos estão feios de tanto roer e não paro há 51 anos. Não me lembro de não comer os dedos e agora o meu filho devora também. Roer durará além de mim desde que o filho rói também. E porque roemos nós? Não sei. Sei que os dedos trazem tatuados à dentada a ansiedade, o nervosismo, a vergonha, a ira e também o prazer de ver o filme com o dedo na boca. Roer também é chupeta. Roer também é zanga e medo e irritação. Mas não me ponhas nenhuma armadilha nas unhas que não sei se quero deixar de roer. Prefiro os meus dedos às chicletes. Prefiro os meus dedos às tampas das bic, aos lápis de pau, aos palitos na boca. Sim, roo até ao sabugo e sabe-me bem!

Por: Diogo Cabrita

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