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Riqueza(s)

Entrementes

Para quem quisesse, hoje, arranjar assunto fácil nada melhor que dar uma vista de olhos as notícias da política caseira. Se a isso acrescentasse mais um tempo para espiolhar a prestação televisiva dos candidatos dos partidos do espectro parlamentar nos debates que têm feito o pão-nosso-de-cada-dia, então teria matéria de sobra para análise. Poderia eventualmente vir a sofrer de uma crise depressiva aguda. Mais PEC menos PEC, mais Estado Social menos Estado Social, mais troika menos troika, mais cortes menos cortes, o resto é sabido: a 5 de Junho se saberá quem vai pegar na batata quente e, a partir daí, se verá se os atos corresponderão, ou não, às palavras da campanha que, embora de forma oficiosa, há muito começou.

Em face do risco que correria se me atrevesse a entrar pela análise do cenário político, fosse a nível nacional, fosse no plano distrital, manifesto que me não apetece arriscar uma ida ao psicólogo ou, quem sabe, mesmo ao psiquiatra.

Daí que vá por outro caminho que, na parte que me toca me diz muito mais, indubitavelmente mais.

Há uns dias atrás, Manuel António Pina foi escolhido para, este ano, receber o Prémio Camões. Apenas o maior prémio para autores de língua portuguesa. Desta, ainda nossa, língua portuguesa. Não por muito tempo, sabe-se. A outra, a que aí vem é, quanto a mim, muito mais ou muito menos que língua portuguesa. Saberei eu escrever a partir de Setembro próximo? Saberei eu ensinar os meus alunos? Bem sei que este texto irá sair segundo as normas do “novíssimo” Acordo Ortográfico que data de 1990… Isso, no entanto, é feito, vejam bem, por uma máquina. Onde já se viu isto acontecer? Uma máquina a passar o meu texto, por medíocre que seja, para português de lei!…

Mas voltemos ao Manuel António Pina e ao seu prémio. Conheço de há muito a obra deste sabugalense. Alguns livros seus já explorei com os meus alunos. Sempre reconheci nele uma capacidade invulgar para contar histórias. Invulgar e, ao mesmo tempo, simples o que é ainda mais difícil e merecedor de enaltecimento. Manuel António Pina merece este prémio. Merece-o, ponto final. E, se de tal fosse preciso fazer prova, bastaria a pequena estória que se segue.

Há uns anos atrás, no local onde costumava tomar café no dia-a-dia lia sempre o Jornal de Notícias. Um luxo quando o mais trivial é aparecerem em locais destes jornais como A Bola ou o Correio da Manhã. Ora o dono do pequeno café é um homem simples, afável, com a “quarta classe feita em bom tempo” como dizia habitualmente. É no entanto um homem instruído na escola da vida. Pois, dizia-me ele que comprava aquele jornal todos os dias por causa de uma certa coluna de opinião que trazia na última página. Coluna que recortava e guardava religiosamente num dossier criado para o efeito. Quem era, quem é ainda, o autor dessa coluna? Claro, adivinharam: Manuel António Pina. Nem mais.

Ora então cá temos mais um galardoado com tal prémio. O terceiro oriundo do distrito. Antes dele já Virgílio Ferreira e Eduardo Lourenço o haviam sido. Três autores, três formas diversas de escrever. Todos eles, no entanto, com um traço comum: o de bem escrever.

Três autores nativos de uma das áreas mais sangradas de gentes, sobretudo a partir da segunda metade do século passado. Tiram-nos riqueza, subtraem-nos qualidade de vida, dividem por outros aquilo a que também nos achamos com direito. Uma coisa não foi ainda conseguida: não nos tiram esta capacidade de teimar em fazer. Fazer, bem ou mal, mas fazer. E não é que, para cúmulo, a maioria das vezes fazemos bem?…

Duvidam? Leiam estes três autores e deliciem-se com os temas tratados, com a forma como o fazem e, sobretudo, com o sentimento que emana dos seus livros. Bem-haja aos três e, agora, no momento atual:

Parabéns Manuel António Pina!!!

Por: Norberto Gonçalves

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