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Revolução de Abril levou operários para as ruas na Covilhã

Enquanto em Lisboa os militares tomavam conta das ruas, na Covilhã os trabalhadores das fábricas de lanifícios largaram as máquinas e foram para o Pelourinho festejar.

Era 24 de abril de 1974 quando, às 22h55, a Emissores Associados de Lisboa passou a música “E Depois do Adeus”. Estava dado o primeiro sinal para o início da revolução. Já às 0h20 do dia 25, a Rádio Renascença transmitia a canção “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, e com ela começaram as operações do MFA. Na Covilhã, já só sobre a manhã, a população teve as primeiras notícias do que estava a acontecer. Algumas fábricas fecharam e ao longo do dia os trabalhadores foram-se concentrando no Pelourinho em manifestações de alegria. 

António Rato viveu algum período do regime como operário, mas em abril de 74 já trabalhava na área do comércio. Hoje com 74 anos recorda que ouviu as «primeiras notícias da liberdade» ainda o dia mal tinha nascido: «Foi por volta das seis da manhã». Pensar naquele dia ainda o deixa «todo arrepiado», garante. Era habitual entrar só às 10 horas e apesar do que tinha ouvido na rádio, decidiu ir para o trabalho, «mas quando lá cheguei mandaram-me para casa». Mas o seu destino foi outro. A loja onde trabalhava era perto do atual mercado municipal e daí seguiu para o Pelourinho, onde se juntou a «centenas de pessoas». Até esse dia, «quando se juntava um grupo a conversar olhava-se para o lado e já tinha um bufo, ou agentes da PIDE, a ouvir a conversa», mas naquele dia António Rato afirma que «já não existia o medo, sentíamos que já não se ia voltar atrás». «E não houve zaragatas», realçou.

À medida que as horas passavam concentravam-se cada vez mais pessoas na Praça do Município, em frente à Câmara. Um deles foi Manuel Nascimento (73 anos), que na altura trabalhava na fábrica Alberto Roseta, hoje propriedade da universidade e faz parte do Museu dos Lanifícios. Uns meses antes da revolução tinha sido eleito delegado sindical, o primeiro do distrito de Castelo Branco, e por esse motivo na noite de 24 de abril tinha participado numa reunião na sede do Sindicato dos Lanifícios para discutir a contratação coletiva. Recorda que na época «gostava de acompanhar rádios como a BBC ou a Portugal Livre. Mas nessa noite já saí muito tarde da reunião e já não ouvi nada». Só quando chegou ao trabalho, cerca das 7h30, é que foi informado pelo chefe de secção que «alguma coisa se passa porque na rádio dizem para as pessoas não saírem de casa e que vão ser dadas mais informações em breve».

A única música que passava eram marchas militares e já as máquinas trabalhavam «quando foi divulgado um novo comunicado e percebemos que ia ser dado o golpe», recorda Manuel Nascimento. A partir desse momento estava instalado o burburinho entre os operários. «Só queríamos falar sobre o que se estava a passar», refere. Ainda assim, nesta fábrica o trabalho aguentou-se até cerca das 16 horas e depois o rumo dos operários foi o mesmo para todos, seguiram até ao Pelourinho, onde logo foi dado o mote «para as lutas dos trabalhadores». 

 

Luta pelos direitos laborais ganhou força 

Acabada a ditadura não tardaram as reivindicações por mais e melhores direitos laborais. O primeiro deles foi o festejo do 1º de Maio nesse ano. Manuel Nascimento explica que «depois da revolução quisemos conquistar os direitos que já vínhamos reivindicando. Fazer feriados implicava que andássemos toda a semana a fazer horas a mais. Queríamos o direito a férias e a redução do horário de trabalho». Com o tempo começou a haver uma evolução gradual e «um conjunto de coisas que foram melhorando», entre elas a segurança social e a saúde. 

Mas a luta pelos direitos nem sempre se fez de conversas e negociações, até ao dia em que a revolução se fez sem sangue e com cravos nas armas dos militares «foram tempos duros». Hoje o operário reformado lembra que «quando se distribuía um comunicado a polícia, assim que dava conta, perseguia algumas pessoas e chegou a tirar bilhetes de identidade a alguns». Entre as «muitas» histórias lembra-se do dia em que recusou fazer horas extraordinárias e trabalhar 12 horas por turno. «Como castigo mudaram-me de lugar para um tecelão antigo, que produzia menos», lembra. 

Passados 44 anos, Manuel Nascimento acredita que o “Dia da Liberdade” «teria acabado por chegar mais cedo ou mais tarde» e não dúvida que o que se tem conquistado ao longo de décadas «deve-se ao trabalho dos sindicatos que vão à luta». É neste «direito à liberdade de expressão» que António Rato resume os direitos de Abril. Hoje vê Portugal como «um país melhor» do de há 44 anos, mas lamenta «que comece a haver alguma degradação, sobretudo nos direitos laborais».

Ana Eugénia Inácio Manuel Nascimento e António Rato viveram os tempos do regime como operários Festejos do 1 de Maio de 1974, na Covilhã

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