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Revitalização do Centro Histórico da Guarda

A Revitalização Urbana do Centro Histórico da cidade da Guarda esteve, durante muitas décadas, quase totalmente dependente das iniciativas individuais dos proprietários dos edifícios, pautando-se a iniciativa pública pela ausência, pelo desinteresse e até, porque não dizê-lo, pelo abandono.

O processo de revitalização, iniciado há alguns anos, a partir da assunção de uma nova atitude empreendida pelo programa Polis, que veio dar uma nova esperança ao velhinho núcleo fundacional da Guarda, surpreendeu pela positiva a esperança de décadas que já vacilava de desalento. As acções desenvolvidas levaram à intervenção técnica ao nível das infraestruturas e da rede viária de algumas das artérias, largos e praças mais movimentadas.

Nas acções e trabalhos até agora desenvolvidos podemos perceber o reduzido ou quase nulo envolvimento da população local, (residentes, comerciantes e utilizadores), no processo revitalizador da zona urbana, que se afirma como a mais representativa da cidade e da sua História. Isto deve-se, por um lado, ao insuficiente conhecimento que o cidadão comum tem do acervo cultural de que dispõe a cidade, com especial concentração no Centro Histórico, e, por outro lado, à urgência sentida pelos responsáveis em levar por diante tais acções, o que exige a execução de tarefas de intervenção sobre o terreno, sem se priorizar o esclarecimento da população com a finalidade de a envolver num processo que a todos diz respeito, pelo que todos devem ser chamados a participar, de modo activo e esclarecido.

Podemos hoje afirmar, não obstante a ausência da população local no processo em desenvolvimento, que o trabalho realizado, ao passar da intervenção pontual em pontos referenciais para a intervenção em parcelas maiores da estrutura urbana, quer através da melhoria e instalação de infraestruturas, quer pela requalificação do espaço público e reabilitação de algumas edificações, é de boa qualidade e visa a promoção social e económica do Centro Histórico, utilizando o potencial cultural como instrumento de contribuição para o desenvolvimento da cidade.

O facto de os principais conjuntos arquitectónicos se localizarem no Centro Histórico, confere a este um grande potencial de associação do património histórico-cultural com o aproveitamento sustentável da estrutura urbana mais antiga, olhando esta como geradora de meios activos de vida e de vivências que sejam capazes de interromper o processo de decadência e abandono deste espaço de memórias e de oportunidades, cuja dinâmica de sobrevivência, que se manifesta de modo intrínseco, depende apenas do querer e do entender dos seus observadores, ou seja da sociedade a que pertence e a quem confere capacidade indentitária.

A nossa cidade da Guarda, à semelhança de outras cidades, não é estranha às profundas transformações que nos últimos anos ocorreram na sociedade portuguesa e, do cume da sua história milenar, lança-nos um desafio tão actual como motivador.

O desafio de entendermos o grau da sua sustentabilidade cultural ou simbólica e funcionalmente congruente com o seu passado remoto e recente. Este desafio leva-nos directamente ao estabelecimento duma relação equacional entre a população da Guarda e o seu Centro Histórico, com vista à sustentabilidade cultural, num contexto de políticas e projectos de transformação do espaço urbano e no modo como as suas imagens se adequam ou entram em rotura com as imagens dominantes, numa dinâmica expectante de fluxos turísticos e na objectivação da sua utilização como espaço de reflexão, ocupação lúdica e lazer.

O projecto que tem vindo a ser implementado no Centro Histórico da Guarda procura a preservação e valorização do património cultural, a revitalização da sua função económica dentro do seu contexto próprio e da cidade com a inserção de usos que sejam capazes de resgatar o carácter de centro comercial e de serviços, tendo em conta a indispensável diversificação e os níveis de qualidade exigidos por um projecto vencedor. A revitalização da sua função habitacional, com a dotação de condições dignas de habitabilidade e de desenvolvimento económico e social das populações existentes, bem como o incentivo à fixação de populações jovens, serão objectivos a promover numa fase posterior. Este projecto também procura uma nova e mais estreita relação da sociedade guardense com o seu Centro Histórico e com a sua ampla simbologia para as gentes da Guarda.

É na evolução do próprio processo de revitalização do Centro Histórico da Guarda e na sua relação com as mudanças de concepção e formas de utilização do património cultural, a nível nacional, que concentramos a nossa análise, tendo em consideração as mutações do relacionamento da sociedade guardense com o seu património cultural. Assim, este forum de observação procurará, em oportunidades futuras, explicitar as particularidades da Guarda, levando em linha de conta as características de um sociedade que, em união de objectivos com as forças políticas locais, e associada aos agentes técnicos da salvaguarda e dinamização, reivindica e promove formas de actuação no processo de revitalização. Identificando-se o principal ponto desta mutação na intervenção operada na “Praça Velha”, a qual despertou o cidadão comum para uma nova percepção e valorização do seu património. Se outro mérito não tivesse aquele trabalho de requalificação em torno da Sé Catedral, ele valeria pelas manifestações que materializou e pelo sinal que deixou sobre o interesse que a gente da Guarda cultiva pelo seu património cultural. O imaginário popular apropriou-se activamente daquilo que considera seu, mostrando que a aparente distância do dia-a-dia não o impede de exercer uma acção crítica quando os seus valores de memória são afrontados, mostrando que não só é proprietária do espaço físico, mas também do espaço social que o Centro Histórico representa.

O presente trabalho de análise não espelha as particularidades do processo de revitalização em curso no Centro Histórico da Guarda, na medida em que não é objectivo deste formato uma reflexão sobre o mesmo, o qual pode e deve ser tratado como meio de divulgação pública, retratando não só os resultados da preservação / reabilitação física, mas fazendo uma reflexão à sua apropriação pela sociedade local e visitantes, bem como um estudo integrado das caracteristicas e potencialidades do Centro Histórico como entidade operativa única, que vai desde a “Torre Velha” à “Torre de Menagem”, passando pelas muralhas e por tudo aquilo que elas guardam e envolvem. Será uma reflexão não isenta de algumas dificuldades na sua realização se não passar as fronteiras do envolvimento directo. Contudo, sejam quais forem os agentes realizadores, tal trabalho impõe-se como indispensável ao reconhecimento profundo daquilo que é, do processo de revitalização (objectivos, propostas iniciais, dúvidas, falhas, frustrações, níveis de realização, ambições futuras, etc.), e daquilo que pode proporcionar de muito importante para a cidade e para a região, ao nível social e económico o Centro Histórico da Guarda.

Ao fazer-se a análise do processo de revitalização, e em especial a do espaço físico requalificado em “lugar de vivência”, apropriado pela sociedade local e palco da actuação dos seus diversos agentes, revelar-se-á a sua riqueza intrínseca, a que estão ligados não só os gestores técnicos, mas, principalmente, a sociedade para a qual se destina. Revelará que, para além das dificuldades quotidianas, o permanente diálogo, entre os diferentes agentes que intervêm na conformação da cidade, possibilita a construção e fruição de melhores resultados e, principalmente, reforça os laços comuns que criam a identidade colectiva. Suscitando a reflexão identificadora da direcção em que devemos seguir para atingir o resgate pleno desta identidade, para o qual o resgate físico do património cultural age como elemento aglutinante da interacção social.

Guarda, Fevereiro de 2007

Quelhas Gaspar,

Investigador de história urbana e técnico de património

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