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Resistências, demagogias, submissões e derrotas

Crónica Política

Quem já se esqueceu dos intermináveis conflitos, ao longo dos anos, por causa da possibilidade de encerramento da nossa maternidade e de outras valências clínicas? Recordo, assim rapidamente, diversos momentos de tensão entre o poder político e o corpo clínico do nosso hospital, incluindo inúmeros processos disciplinares a médicos, alguns deles roçando o cúmulo do ridículo.

Vasculhando o arquivo, data de 2007 a primeira ameaça dos clínicos, então ao governo de maioria de José Sócrates, de deixarem de colaborar com a Faculdade de Ciências da Saúde, pertencente às três cidades da Beira Interior, caso prosseguisse qualquer intenção de fechar a maternidade da Guarda. Sócrates foi obrigado a ceder e em 2008 foi criada a ULS da Guarda e mantida a maternidade na Guarda, à custa do fim do propalado Centro Hospitalar da Beira Interior. Mas o PS não desistiu…

Em 2009, já no governo minoritário de Sócrates, a questão das maternidades voltou a saltar colateralmente para a ribalta, originado um novo e gravíssimo conflito entre os médicos e a administração do hospital da Guarda, que produziu em última instância um resultado fantástico e único em Portugal, com o então presidente da ULS, destacado militante socialista e futuro candidato derrotado à autarquia de Foz Côa, a ser condenado por uma meia dúzia de crimes em exercício de funções!

Compreende-se assim que quando, em outubro de 2010, no auge desse conflito, o secretário de Estado da Saúde de então, Francisco Pizarro, falou na possibilidade de um hospital central na Covilhã, cavalgando, aliás, as reivindicações de abril do mesmo ano do presidente da autarquia covilhanense, Carlos Pinto, e as eufóricas manifestações de regozijo no mesmo sentido por parte de João Casteleiro, presidente da unidade hospitalar local, o assunto se tenha transformado num autêntico flop.

Toda a gente percebeu, incluindo o PS em Lisboa, que naquele momento a consumação de tal proposta seria uma espécie de declaração de guerra entre a Covilhã, por um lado, e a Guarda e Castelo Branco por outro, no contexto de um governo minoritário e de conflitos insanáveis que já decorriam entre os clínicos e o poder partidário.

Assim, foi necessário deixar assentar a poeira para se pensar noutra forma de, a prazo e bem mais discretamente, se espetar a desejada estaca no coração das unidades hospitalares das duas capitais de distrito.

Foi no passado dia 3 de agosto, em pleno período de férias, que deu à estampa, sem qualquer notícia de relevo ou significativa perceção da sua importância para a nossa cidade por parte da população, o decreto-lei n.º 61/2018, que estabelece o regime jurídico aplicável aos centros académicos clínicos e atribui ao Centro Hospitalar da Cova da Beira (Covilhã e Fundão), mas não à Guarda ou a Castelo Branco, o estatuto de “Universitário”. A partir de agora, o Centro Hospitalar “Universitário” da Cova da Beira deixa definitivamente para trás a Guarda e Castelo Branco e coloca-se a par de outros quatro centros universitários no país, dois em Lisboa e dois no Porto…

O ensino superior é da responsabilidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Isto só mostra como o PS, não tendo conseguido levar ao colo a Covilhã através da fusão de hospitais, dependentes do Ministério da Saúde, escolheu pacientemente outro método e ministério para tentar chegar ao mesmo objetivo…

Dos políticos da Guarda, mesmo daqueles que, como Álvaro Amaro, andam sempre com os problemas do interior na boca, nem uma palavra! Desceu sobre a cidade um cúmplice manto de silêncio sobre este assunto, enquanto se prepara – a prazo – a liquidação do nosso hospital, incapaz de concorrer com as condições e os meios financeiros e administrativos de que vai dispor a partir de agora a privilegiada Covilhã.

Se já tínhamos concluído que há quem mereça os políticos que tem, é caso para se dizer agora que gente dessa também merece que lhe fechem o hospital e tudo o resto…

Por: Jorge Noutel

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