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Regressos

Foram (são) cerca de 12 os longos meses de espera. Espera difícil que uma qualquer intermédia e breve passagem, por este Portugal quase imaculado que a sudoeste teima em sobreviver, não deixa relativizar. Os diferentes céus confirmam a sempre incógnita e aleatória meteorologia. Umas vezes tão azul quanto o mar, outras cinzento. Um cinzento escuro e carregado, capaz de prolongar-se por dias aparentemente sem fim. E mesmo o ansiado azul do céu limpo pode facilmente dar lugar a nuvens tão belas quanto ameaçadoras. É este o céu que a cada fim de tarde surge matizado numa simbiose contraditória, mas perfeita. O cinzento das rochas e das nuvens, a lembrar tempos medievais. E um sol capaz de fazer do horizonte uma paleta de cores várias, do rosa ao laranja, dos muitos roxos sem nome próprio a um lilás ainda por descobrir, que pousa num amarelo torrado que Portugal só conheceu quando ia do Minho até Timor. Como se Winterfell e Meereen pudessem coincidir num mesmo lugar.

O vento não raras vezes entrecortado por frias rajadas e as enormes falésias de difícil acesso parecem fazer deste um lugar inóspito. Que dificilmente poderia compadecer-se com paisagens que remetem para a selva africana. Mas compadece. Como se alguém tivesse criado o paraíso e apenas levantasse este vento de mil odores para provação dos audazes merecedores. Indiferente, o sempiterno mar mantém-se forte e impassível na sua própria impetuosidade. Cada vigorosa onda é um mar de histórias. Feitas de diferentes estórias que, invariavelmente, terminam da mesma maneira, em rochas e escarpas esculpidas com a delicadeza única da força do mar. Onde corajosos homens enfrentam a bravura oceânica para apanhar perceves, o bicho crustáceo que na sua estranha fisionomia exibe a orgulhosa singularidade e conserva o sabor das marés.

Os areais extensos, curtos ou quase inexistentes, irrompem sempre encobertos pela floresta e pelo mar. Como que querendo proteger-se da nada imaculada pegada humana. O verde dos pinheiros, acácias e medronheiros aproxima-se das praias, tornando impercetível o que primeiro ali chegou e o que fez parar o quê. Numa sequência perfeitamente desordenada, os altos montes e as baixas colinas prolongam-se por quilómetros a perder de vista, como se a paisagem florestal quisesse competir com o horizonte marítimo. Dois horizontes que se encaram de frente, dia após dia. Sabedores, os animais ali ficam e perduram. Cães, gatos, sapos, coelhos, javalis, convivem paredes meias com os muitos bivalves, robalos, sargos e pregados que do mar chegam diariamente e que no mercado podem ser comprados ou, simplesmente, admirados. A rematar, a alfarroba e a batata doce adoçam este refúgio que Portugal (ainda) não destruiu.

O dicionário explica que as férias servem para o descanso dos trabalhadores. Mas neste último reduto não se descansa. Vive-se! Ainda agora acabou de acabar e já só uma vontade única subsiste, a de voltar.

Por: David Santiago

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