Com o aplauso generalizado, e o apoio do Presidente da República, António Costa tem promovido uma suposta descentralização. Na verdade, entre os muitos sorrisos e as belas palavras, nada foi feito, todavia. Pior, o assunto não é discutido na sociedade, pelas pessoas (que são o destinatário das opções e decisões dos políticos), nem pelos partidos (pelos seus militantes). Ou seja, tudo vai sendo dito e tudo vai sendo feito de acordo com o suposto guião do primeiro-ministro – suposto, porque na verdade não há guião nenhum: vai-se ziguezagueando de acordo com o “ar do tempo”.
Neste contexto, António Fonseca Ferreira (que foi o coordenador e coautor do “saudoso” Plano Estratégico da Guarda elaborado há mais de 20 anos, sempre adiado e esquecido, e desatualizado…) perguntou (no “Público” de 30 de abril) «ao Governo onde estão os estudos que justificam a viabilidade da municipalização de competências e volume de recursos financeiros anunciados (1,2 mil milhões). Se existem, divulguem-nos. Se não existem façam-nos». A descentralização consta do programa de Governo, mas nunca foi devidamente explicada – o que fazer, porquê, como, com que objetivo, com que organograma e com que apoio (população)? Na prática, para já, a descentralização promovida diz respeito “apenas” à transferência de competências da administração central para os municípios nas áreas da Educação e da Saúde – estranhamente, os sindicatos dos professores, dos médicos ou dos enfermeiros (etc.) reivindicam aumentos salarias e apelam à greve por «melhores condições», mas não interrogam sobre o caminho da descentralização de que são parte; as escolas serão cada vez mais feudos do poder local e os partidos dos eleitos locais ocuparão cada vez mais as coutadas da saúde…
O bolo é grande (1,2 mil milhões) e todos os autarcas estão à espreita a ver a fatia que lhes caberá. O centralismo asfixia a economia, tolhe a ação e contribui decisivamente para a desigualdade. Mas promover a municipalização do país, descentralizar para municípios minúsculos, pode contribuir para a sobrevivência artificial de alguns concelhos no imediato, mas implicará a divisão e desperdício de recursos financeiros sem promover a sustentabilidade dos territórios.
O Governo anunciara que, a seguir às autárquicas de 2017, as regiões metropolitanas de Lisboa e Porto teriam um governo regional eleito por sufrágio universal e que as direções das comissões de coordenação (CCDR) seriam eleitas pelos autarcas das respetivas regiões. Percebendo que este caminho tinha muitas pedras, poucos apoios e alguns riscos (disseminação de poderes), e sem debate ou estudos, o assunto foi esquecido.
O melhor exemplo de falta de plano, de projeto de reforma, foi o anúncio da transferência do Infarmed: caiu do céu, numa manhã de sol em novembro, sem informação prévia, sem ninguém na instituição saber, sem qualquer estudo… Meio ano depois mantém-se a data de 1 de janeiro de 2019 para oficializar a transferência, mas as dinâmicas de mudança foram esquecidas.
A criação de regiões está consagrada nos Artigos 255 e seguintes da Constituição, mas continua a ser um tabu; a descentralização tem de ser muito mais do que a municipalização; o país não pode continuar a adiar a sua reorganização administrativa. É, pois, urgente, um amplo debate na sociedade, sem receios, nem tabus. A regionalização, com órgãos eleitos de forma universal, com líderes fortes e representantes empenhados é o caminho que devemos defender. A administração regional tem de planificar e olhar o território regional como um todo – os funcionários e os técnicos estão no terreno em diversos serviços desconcentrados, mas dispersos e sem lideranças e metas regionais, o que urge modificar. Por tudo isto, a suposta descentralização não é mais do que a municipalização que agrada muito aos autarcas, mas não será determinante nas mudanças que o país precisa.
Luis Baptista-Martins
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