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Recuperar um clássico: revisitar as cartas públicas de Eça

Opinião – Ovo de Colombo

Num momento em que o espaço público contemporâneo sofre alterações fraturantes, em que se perdeu a capacidade de discussão e a verve polemista, em que o discurso se aligeirou e a narrativa se tornou demasiado restritiva; num tempo em que as vozes dominantes do comentário – projetadas pelo altifalante televisivo – se sujeitam à pobreza confrangedora do discurso único; resolvemos hoje revisitar as cartas públicas que Eça de Queirós foi publicando, ao longo da vida, nos jornais e revistas do seu tempo.

Reunidas em volume com chancela da Imprensa Nacional Casa da Moeda, o conjunto de 17 cartas pode oferecer-nos momentos de humor, de riso, afinal, desde há muito, estratégias de intervenção social e política.

O que a leitura destas cartas queirosianas revela, antes de mais, é a importância da carta como instrumento de enriquecimento do debate público de oitocentos, através do qual o escritor manifestava, com clareza e sempre com muito humor, os seus posicionamentos sobre questões prementes, sejam elas do foro literário, político ou cultural.

Ao valor documental acresce, na nossa opinião, o valor estético dos textos, pois que nestas cartas Eça se revela um magnífico escritor, quer pelas capacidades argumentativas, pela fina ironia com que trata os seus opositores, pelo humor dos exemplos e dos paralelismos com que tenta colorir a sua prosa, pela contundência com que se defende de falsas notícias e rumores.

Finalmente, a leitura destes textos revela a sua espantosa atualidade. O olhar do escritor sobre os políticos, a sociedade, as desigualdades, a pequenez nacional permite que, hoje, decorridos mais de 100 anos, sintamos falta de vozes assim.

Ana Teresa Peixinho*

*Professora da Universidade de Coimbra

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