Arquivo

Recordam-se do Segredo de Justiça?

Quebra-Cabeças

O processo Casa Pia manteve nas férias a atenção da opinião pública sobre os tribunais, atenção que, como se viu pelo teor das decisões que têm chegado ao conhecimento da comunicação social, pouco impressionou os observados. Em termos de pura lógica formal, parece até que certas manobras foram contraproducentes. Outra coisa que pouco parece interessar os tribunais, nos tempos que correm, é a questão do segredo de justiça. Recordo ainda os tempos em que uma jornalista da Rádio Altitude, a Madalena Ferreira, era detida em pleno estúdio por estar a ler uma peça extraída de um processo em segredo de justiça. Bom tempos… Hoje tem-se acesso nos jornais a transcrições de escutas telefónicas, depoimentos de testemunhas, requerimentos de advogados, respostas do Ministério Público, decisões dos juízes, subsequentes recursos e correspondentes acórdãos. Tudo isto num processo que se encontra em inquérito, por isso sob segredo, e sobre matérias tão delicadas como ofensas sexuais sobre menores.

A violação sistemática do segredo de justiça, dirão que é a resposta da sociedade à opacidade antidemocrática do sistema judicial, a reacção típica de quem quer saber àquele que esconde informação vital. Afinal, foram anos e anos em que as únicas notícias que chegavam desse mundo distante ao conhecimento público versavam sobre prescrições, amnistias, estratégias dilatórias bem sucedidas e tentativas falhadas para pôr o sistema a funcionar. Há acusações de corrupção que circulavam nos cafés no início dos anos noventa e que não estão ainda definitivamente decididas. A impotência dos tribunais para produzir um veredicto nesses casos, ao menos em tempo útil, precisava do segredo de justiça como de pão para a boca. Era um bocado como a antiga União Soviética: o seu segredo militar mais bem guardado era a sua enorme, gigantesca incapacidade. Por isso se não sabia nada e se suspeitava muito.

Temos agora o oposto, temos agora uma exposição quase pornográfica dos processos, um escrutínio público que rapidamente se está a tornar excessivo. Formalmente, continua tudo na mesma: se um advogado quiser saber o que se passa num inquérito sobre um cliente seu, não lhe adianta ir ao Tribunal pedir informações, que o processo está em segredo de justiça. Mas se o crime de que o seu cliente é acusado for suficientemente mediático, pode fazer muito melhor para saber o que se passa: pode comprar o jornal ou ligar a televisão.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply