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Recordações

Ainda me lembro do tempo em que o PSD, na oposição, não se conformava com a excessiva austeridade que o PS nos queria impor. Passos Coelho dizia coisas como as que agora diz António José Seguro e este, assim que chegar ao governo, fará certamente tábua rasa do seu actual discurso, como é prática já tradicional dos nossos políticos.

Lembro-me também de quando nos diziam que era preciso abandonar o “paradigma dos salários baixos” e investir numa indústria nacional que apostasse em elevado valor acrescentado, de tecnologias de ponta, em que se investisse na qualificação dos trabalhadores. Os salários teriam de ser mais elevados, não só por uma questão de justiça mas também porque assim se aumentaria o consumo interno, com evidentes benefícios para as nossas empresas. Afinal, diz-nos o primeiro-ministro, é ao contrário. Os salários têm é de diminuir e os portugueses têm de empobrecer.

Também me lembro de se dizer que “há mais vida para além do défice” (Jorge Sampaio) ou de que “é preciso falar grosso aos mercados” (Manuel Alegre): “Vocês têm de nos emprestar mais dinheiro, ouviram?! E com juros baixos! Ou então…”

Não hei-de esquecer facilmente as últimas palavras de ordem, sobretudo o notável “Que se lixe a Troika, queremos as nossas vidas”. Gostaria, claro, que nos explicassem como querem que a Troika se lixe e ao mesmo tempo aceite emprestar-nos os milhares de milhões de que precisamos para que o Estado consiga continuar a pagar salários e pensões.

Não dizem. É como se cada um dos intervenientes da nossa vida pública nos escondesse um pequeno segredinho sujo e inconfessável, como se todos conhecessem os telhados de vidro uns dos outros e não quisessem refutar os argumentos de que noutro dia e noutras circunstâncias, é certamente isso, podem vir a necessitar.

Entretanto, convinha não se esquecer que estamos “nisto” porque o Estado gasta mais do que recebe e por isso procura espremer dos do costume o máximo possível – para poder continuar a gastar pelo menos o mesmo (e nisto, aparentemente, estão todos de acordo).

Convinha também recordar que o endividamento privado era, aquando do pedido de ajuda externa, mais do dobro do público, e que se continuarem a diminuir o rendimento disponível aos portugueses, e a empobrecê-los, eles podem deixar de pagar as suas dívidas, sobretudo à banca. Era bem feito, não era?

Por: António Ferreira

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