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Recandidate-se, Senhora Presidente

Razão e Região

Carta a Maria do Carmo Borges

Bem sei que, há tempos, manifestou a vontade de não se recandidatar. Mas também sei que, no tempo entretanto decorrido, muitas coisas mudaram. E nem sequer a relembro de que, hoje, a velocidade do tempo é vertiginosa, não podendo a decisão política ficar alheia aos novos ritmos. Não. Só sei que os tempos mudaram. Mudarão também as vontades, como queria o poeta? Mudou o seu tempo pessoal, a sua vida, mas seguramente não mudou a expectativa de futuro que sei que transporta consigo. Um futuro que também conta connosco, nos lugares que soubermos, ou não, construir como nossos espaços de afirmação, como construção das nossas identidades, como expressão dos nossos valores, como manifestação dos nossos desejos. Como é reconhecido, o seu espaço na política foi-o construindo com saber e com sensibilidade, com bom senso e com serenidade, com vontade e com ideais. Ideais generosos, que são os da área política em que se inscreve. E estas são, desculpe-me se erro, as maiores qualidades que lhe reconheço e que sei que vem praticando com autêntica naturalidade na política como na vida. O que é imenso, neste tempo de tabloidização da política, de permanente encenação da pose e do verbo. Quando não de insuportável irascibilidade, tão vulgar em tão próximos adversários políticos. Pois é, Senhora Presidente. A política também é um exercício de simplicidade, de bom senso e de serenidade. Quando tivermos políticos com estas qualidades garanto-lhe que também no país elas vingarão. Mas se é certo que muito aprecio em si tudo isto, também é verdade que não desconheço o valioso trabalho que tem vindo a desenvolver desde o plano das infraestruturas até ao excelente investimento nas várias dimensões da esfera cultural. Mas devo dizer-lhe que aprecio e valorizo sobretudo a sua relação com a tão carenciada área rural, o seu profundo empenho na sua valorização, a especial sensibilidade que sempre revelou em relação a este espaço concelhio e aos seus tão dedicados quão simples protagonistas.

Certamente que compreende o que começo a querer dizer-lhe. A solidão de afectos passados que já só podem residir na nossa memória tantas vezes projecta em nós energias positivas que os transformam em forças portadoras de futuro. E você, cara Presidente, está certamente nesta encruzilhada. A encruzilhada dos afectos da memória com os afectos palpáveis das gerações do nosso futuro pessoal e colectivo, dos nossos filhos e netos. Tanto mais que, como há pouco dizia o poeta que sei que aprecia, também você, como nós – os que sempre militámos pela causa cívica – está a ser invadida pelos graves acontecimentos políticos que vêm dilacerando o nosso país. Do que se trata, afinal, no seu caso concreto, é de dar nova vida a uma função que, é certo, já vem sendo sua há alguns anos, mas que agora poderá ganhar um novo significado em nome de um projecto político que possa dar uma nova esperança a este nosso descrente país. E a Senhora é, em meu entender, e sem dúvida, portadora de qualidades de que a nossa vida política bem precisa. Dessas qualidades que qualquer beirão rural reconhecerá através de um simples olhar ou de um aperto de mão. E que são, afinal, as mais autênticas.

Vamos entrar – temos de entrar – num novo ciclo da nossa vida política. Mas tal não será possível se não houver um sério empenho por parte daqueles que estão em melhores condições para o promoverem, cada um na escala que é a sua. E a sua escala, aquela onde tem dado excelentes provas, é a do poder autárquico, exercido, afinal, numa região onde o esforço de todos tem sido sempre pouco para vencer os obstáculos de uma interioridade tão cheia de palavras quão vazia de actos. Na verdade, poucos têm sido aqueles que, dotados de um mandato universal com origem nestas terras, se têm batido por elas, preferindo, a maior parte das vezes, servir-se dele para melhor se baterem no interior de conselhos de administração que lhes garantem bem-estar pessoal e risonhos futuros financeiros ou, então, usá-lo, este poder electivo regionalmente conferido, para progredirem na carreira política pessoal, invertendo radicalmente a natural escala de valores. Desses pouco precisamos.

De si, precisamos. Por isso lhe digo: recandidate-se e fale alto quando tiver de o fazer, qualquer que seja o poder central e sejam quais forem os seus comissários regionais. Assuma a autoria de uma atitude política serena, sensata e simples, mas firme e corajosa – como tantas vezes o fez – quando se tratar de defender os interesses estratégicos de quem a eleger nas próximas eleições autárquicas. Eu estarei consigo. Mas creio que serão inúmeros os que consigo estarão.

Por: João de Almeida Santos

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