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Razões de um país pouco democrático

No continente não há democracia. Esta foi a frase bombástica de Manuela Ferreira Leite, proferida nos Açores.

É um exagero. Claro que há democracia. Mas, por outro lado, revela uma parte da verdade: é que a nossa democracia é de muito má qualidade.

“Antigamente os portugueses não falavam porque tinham medo de perder a liberdade; agora não falam porque têm medo de perder o negócio”. Aqui, a frase não podia ser mais certeira.

Ao criticar o exagero da líder do PSD, não posso deixar de recordar que as suas razões de queixa não são diferentes daquelas que o PS apresentava (com igual exagero) no tempo em que Cavaco tinha maioria absoluta e era Manuela Ferreira Leite uma ministra despreocupada com a qualidade da nossa democracia.

Se a crítica tanto a Cavaco como a Sócrates é exagerada, qual a razão de ser absolutamente certeiro o facto de muita gente e muitas empresas parecerem ter medo de falar?

Penso que a resposta está no modo de ser português.

Vive-se demasiado da pequena cunha, do chamado empenho; vive-se de certos conhecimentos que passam o papel da infindável burocracia para o topo da lista. Da multa perdoada a pedido do vizinho da prima. Do emprego que arranjou o padrinho do amigo. Do negócio chorudo ganho porque se apoiou o candidato (e muitas vezes todos os candidatos). Do sucesso porque se conhece o líder…

E isso significa uma coisa, e apenas uma: que o Estado tem demasiado poder (embora pouca autoridade, que é bom não confundir com poder) e que a burocracia cria demasiados pequenos poderes não democráticos. E é por esta conjunção de factores que mais ou menos toda a gente tem de conviver com o poder e de se sujeitar aos seus amuos, birras e raivas.

Muita gente deve o emprego ou negócio a um qualquer assessor de ocasião; alguma comunicação social verga-se à ideia de que pode ganhar um canal de TV; algumas empresas de construção aguardam ansiosas o contrato; alguns bancos dependem do encosto do Estado (ou seja, do Governo) para o negócio sem concorrência; deputados, ex-ministros e antigos barões dos partidos adornam variados conselhos de administração.

Em Portugal há que ter amigos e padrinhos e por isso tão pouca gente fala, tão pouca gente diz o que verdadeiramente pensa. Em Portugal, quando há maiorias absolutas, os líderes da oposição sentem-se sós e abandonados e muita gente sente um sufoco. Infelizmente, quando a situação política vira jamais se sentem quaisquer melhoras.

Por: Henrique Monteiro

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