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Rampas, filas, sinais de trânsito e coisas que tais

Crónica Política

Uma das coisas que define um país é a simplicidade e a eficácia das leis. Em geral, quando as leis são muitas, são inúteis. Já Sólon, há mais de 2.500 anos, intuía que as leis são como as teias de aranha que apanham os pequenos insetos e são rasgadas pelos grandes. Tácito, quase sete séculos mais tarde, havia já constatado que o mais corrupto dos estados tem o maior número de leis. Vauvenargues, contemporâneo de Voltaire, resumiu a coisa de forma bem mais lapidar, considerando simplesmente que as leis inúteis enfraquecem as necessárias.

Vem isto a propósito do direito ao atendimento prioritário por parte de pessoas com deficiência e grávidas ou idosos com “evidente” limitação das suas funções físicas ou mentais. Estão agora obrigadas todas as entidades “públicas e privadas, singulares e coletivas que prestem atendimento presencial ao público”. A legislação já foi aprovada e deverá entrar brevemente em vigor. Nem mais!

Portugal é um país em que se adora legislar. Há um problema? Cria-se logo uma lei! Idealmente, uma sociedade desenvolvida, eticamente saudável e bem formada, nem sequer deveria precisar de leis desta natureza. A sua simples necessidade é por si só um sinal de que algo vai mal por terras de Viriato. Mas o problema principal nem está aí…

Quem não se recorda da famosa lei do tempo de Guterres que determinava que os edifícios – novos e velhos – deveriam adequar os acessos às pessoas com dificuldade de mobilidade? O que fizeram as autarquias, outros organismos públicos e as entidades privadas? Simplesmente ignoraram a legislação! Cumpriu-se assim, mais uma vez, um desígnio nacional: fabricar leis ao mesmo ritmo com que são desrespeitadas…

O Estado português é famoso por incumprir as leis que pretende obrigar os cidadãos a cumprir. Mantêm-se assim situações caóticas, desde repartições ou hospitais com elevadores onde não cabe uma cadeira de rodas ou uma maca a organismos oficiais que têm os elevadores fechados há anos para poupar dinheiro ou por simples avaria. A moral que resta disto tudo é a da força. Isto é, em vez de fazer cumprir pelo exemplo, o Estado obriga a cumprir à custa do medo e da multa. Pior do que tudo isso, a páginas tantas, ao Estado já nem interessa o cumprimento da lei. Interessa apenas cobrar a multa. As multas estão hoje para o Estado como as indulgências estavam nos tempos de Lutero para a Igreja: mais um imposto encapotado. Por isso as leis, quando se cumprem, navegam sob uma camada de injustiça, de iniquidade e de subconsciente espírito de resistência.

Não foi por acaso que Montesquieu, autor de “O Espírito das Leis” e homem ligado ao Iluminismo que precedeu a Revolução Francesa, sentenciou um dia que não há pior tirania do que aquela que se cumpre à sombra das leis e da justiça.

Tudo isto recorda-me uma história dos anos 80 do século passado contada por um amigo meu com familiares escandinavos. Viajava ele em família, há muitos anos, entre duas cidades do centro do Portugal, acompanhado de uma jovem finlandesa. Reparou que a finlandesa permaneceu totalmente em silêncio. No fim da viagem quis saber o que se passava. A finlandesa contou que numa determinada estrada de norte a sul da Finlândia, um país com quase 1.500 km de extensão, existia um determinado número de sinais de trânsito. Sensivelmente o mesmo número de sinais que ela tinha contado na viagem que acabara de terminar, de cerca de 70 km. Dizia ela que enquanto na Finlândia nunca tinha visto alguém deixar de cumprir um sinal, em Portugal não tinha visto ninguém respeitar um que fosse.

Recordam-se, há uns anos, de umas declarações estapafúrdias de Jorge Sampaio sobre a educação na Finlândia, durante uma visita de estado? Pois bem, também não foi por acaso. Seguiram-se-lhe a guerra populista contra os professores e uma chusma de leis. Em Portugal é assim mesmo. Quando não se compreende algo, ou se fala de mais ou se fabrica uma lei. Para muito boa gente, sempre é melhor do que permanecer incógnito…

Por: Jorge Noutel

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