Arquivo

Rádio Memória

Anotações

O histórico Rádio Altitude perdeu há três anos um dos seus mais abnegados obreiros: Antunes Ferreira, nome que atravessa um largo período das emissões em onda média e, igualmente, os anos iniciais da frequência modulada, no RA.

A estação guardense foi para Antunes Ferreira (nasceu a 30 de Novembro de 1929, faleceu a 24 de Novembro de 2008) o local de trabalho ao longo de 35 anos, período durante o qual interveio no desenvolvimento da própria rádio, que considerou ter sido uma «autêntica escola».

Antunes Ferreira passou pelo Sanatório Sousa Martins, como internado, tendo, dentro do espírito da terapia ocupacional praticada naquela unidade, sido convidado para trabalhar no Rádio Altitude.

Há alguns anos atrás, e numa descontraída conversa que sustentou um trabalho jornalístico, relembrava a abertura de um concurso, aquando da passagem do décimo aniversário do RA, para a escolha de alguns elementos destinados a trabalhos de apresentação de programas. «Fiquei classificado em quarto lugar», disse-nos Antunes Ferreira, que, juntamente com mais quatro companheiros, passou a desenvolver a sua atividade na, então, modesta estação de rádio.

Na altura, o suporte humano do Rádio Altitude «era o amadorismo puro. Éramos todos amadores e nas horas disponíveis é que íamos para lá. Nós, os doentes, íamos após a fase do período das curas, que eram de repouso total. Alguns iam trabalhar na locução, outros nos arquivos de discos, outros nos registos».

A partir dessa altura desenvolveu «uma colaboração assídua, durante vários anos. Juntamente com outras pessoas, de fora, assim se mantinha o Altitude». Cerca de 1960, o então diretor do Sanatório Sousa Martins – dr. Martins de Queirós – que para Antunes Ferreira «era a alma e o coração do Altitude», entendeu e perspetivou a importância daquela rádio como meio de comunicação social.

«Nessa altura começou a haver uma colaboração mais regular de outros elementos. Estava para sair do Sanatório, um vez que estava curado, e o dr. Martins de Queirós convidou-me para ficar, como profissional, isto à volta de 1965».

Foi também a partir dessa altura que começou a haver alguns profissionais. « A minha função não era propriamente de animador de emissão, até porque eu gostava mais da técnica. Dediquei-me mais à técnica». Um trabalho que Antunes Ferreira privilegiou ao longo dos 35 anos que trabalhou no Rádio Altitude.

«O ambiente era muito diferente do atual. Todos nós trabalhávamos mais sobre o joelho, mas poderei dizer que aquilo era uma escola de rádio. Houve muita gente que ali aprendeu e dali saíram para outros emissores; recordo que houve elementos que foram para os emissores associados de Lisboa, outros para o Porto. A Rádio Altitude, nos seus primeiros 25/30 anos, funcionou como uma escola de Rádio», recordou, com alguma nostalgia, Antunes Ferreira.

Havia «muito amadorismo e sobretudo muita vontade e amor àquela casa», uma fórmula que, na sua opinião, foi importante para consolidar a projeção do Rádio Altitude. «Aqui na região o que mais se ouvia era a RA, não só pelo interesse das notícias, mas também pela música popular que passava, do gosto do nosso povo».

Todos os programas deixaram boas recordações a Antunes Ferreira, mas aqueles espaços que mais vivia, como técnico, eram as transmissões diretas. «Eram feitas transmissões diretas desportivas, religiosas, quer de acontecimentos políticos». A veracidade das notícias, para o povo, referia Antunes Ferreira, «era confirmada pelo RA. Se o Altitude dava qualquer notícia era porque isso tinha mesmo acontecido».

Daí que, fez questão em sublinhar, «toda a população da Guarda sentia o Altitude como uma coisa dela. Toda a gente achava que tinha um bocadinho no próprio Rádio Altitude. Aquela casa era de todos».

Ao longo dos anos, o apoio do Sanatório e do Hospital foi permanente, quer através da disponibilização das instalações, quer do fornecimento da energia elétrica e da água. «Ainda houve uma altura em que havia sócios. Era uma quotização diminuta mas realmente as despesas também não eram grandes, pois o pessoal era amador. As despesas eram também suportadas pelos discos pedidos, pelos anúncios de bailes e pela própria publicidade. Esta era importante e fundamental para a compra de máquinas. Vivia-se com o que se tinha e nada mais».

Questionado, na altura dessa entrevista, sobre o futuro da Rádio Altitude, disse-nos: «Houve sempre uma coisa que pedi: era que fosse o Altitude a ver-me desaparecer a mim e eu não ver desaparecer o Rádio Altitude. É isso que continuo a pedir».

E o Rádio continua e não esquece o homem que durante largos anos foi um dos principais rostos da estação, trabalhador incansável, solidário, intransigente defensor dos verdadeiros interesses da sua emissora, cuja solidez económica soube sempre salvaguardar.

Também nós, que com ele privámos largos anos, não o esquecemos neste mês a que ele está associado, pela vida e pela morte. Estas anotações simples, despretensiosas, são uma singela homenagem ao homem e ao profissional (que gostava de ensinar, partilhar) de uma rádio que é indiscutível memória da Guarda e região.

Por: Hélder Sequeira

Sobre o autor

Leave a Reply