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«Queremos incrementar o crescimento do turismo em Almeida»

Cara a Cara – António Machado, presidente da Câmara de Almeida

P – Quais são as grandes opções para os próximos quatro anos em Almeida?

R- Quando esta equipa se candidatou definiu três principais objetivos para implementar em Almeida que têm a ver com o turismo e de conseguirmos que o sector do empreendedorismo, industrial e dos serviços que ainda existem no concelho se mantenham ou tenham um crescimento. Assim, a nossa primeira meta prende-se com a candidatura de Almeida a Património da Humanidade e assim criar e incrementar o crescimento do turismo, através das valências que já existem e com os projetos que estão a decorrer, alguns deles com um desenvolvimento no passado e que terão no futuro outra visão. Uma aposta que quero fazer é no património natural. Temos excelentes condições naturais no concelho, como o rio Côa, que não está a ser explorado ou utilizado como devia ser e que tem um grande potencial no turismo de natureza e no turismo sustentável. Por isso estabelecemos uma parceria com o Sabugal e Penamacor na Carta de Turismo Sustentável, um projeto importante para Almeida que nos pode trazer fixação de pessoas. É um projeto que tem a ver com um plano de estruturas e qualidade da água do Côa e das ribeiras suas afluentes e que podem potenciar a utilização de desportos de natureza, como a pesca, o BTT em treino competição ou família. Depois temos a principal fronteira terrestre em Vilar Formoso e com a construção da ligação da autoestrada A25 à espanhola A62 prevê-se uma diminuição da afluência e da utilização daquele espaço de fronteira, onde são prestados vários serviços a cidadãos portugueses e estrangeiros. Atualmente, as infraestruturas que existem não dão resposta às necessidades e tememos os efeitos da ligação desse nó. Com a crise, o comércio da vila teve uma diminuição bastante significativa, até porque as portagens criam confusão nos espanhóis, que não sabem como podem pagá-las.

P- O concelho está no fim da linha da autoestrada, vai reclamar a anulação de portagens? Ainda acredita que é possível voltarmos a ter as SCUT gratuitas?

R- O interior deve reivindicar o fim das portagens, até por causa dos nossos custos de contexto. Basta olharmos para o país vizinho, com cidades com outra dinâmica e outra pujança. Se queremos que o turismo seja uma realidade não pode ser mais barato visitar Lisboa ou o Porto, vindo de França ou de Inglaterra, do que vir ao interior, pois se fizermos contas é mais caro vir até esta região do que visitar outras cidades que podem dar outras respostas em termos turísticos. O país deveria olhar para o interior de forma diferente.

P- Como está a candidatura de Almeida a Património da Humanidade?

R- Ainda é cedo para falar numa data. Neste momento há várias candidaturas de Portugal a decorrer e algumas são muito fortes, que deverão conseguir entretanto essa classificação. Nós vamos fazer o nosso trabalho, juntamente com os municípios de Marvão, Valença e Elvas, que já é Património da Humanidade, mas que se quis juntar a nós neste trabalho de poder ser classificado com outras valências. Esse é um grande objetivo que está a ser trabalhado há vários anos e que pode  distinguir Almeida pela qualidade.

P – Além de ser Património da Humanidade, tem outras ambições em termos de turismo? Este é um setor em crescimento a nível nacional, o que poderá fazer para aproveitar essa dinâmica e promover o turismo no concelho?

R- Temos de conseguir dar às pessoas mais do que uma solução porque visitar só Almeida para ver o património não é suficiente. Temos que aliar a herança patrimonial à cultura e à natureza e é por isso que os projetos vão todos no mesmo sentido de conseguir que os visitantes permaneçam no território, concretamente em Almeida, durante mais tempo do que habitualmente fazem. O turismo tem vindo a subir, notamos diariamente a vinda de visitantes a Almeida, mas temos ainda de trabalhar diariamente com os municípios e parceiros que estão instalados neste território, porque Almeida, só por si, não dá todas as ofertas que é necessário dar ao visitante. Este trabalho tem de ser feito em rede, com as Aldeias Históricas, a Territórios do Côa e as várias associações de desenvolvimento local.

P- Não fala no Turismo do Centro. Isso é porque abrange muitos municípios, ou a opção é de que a estratégia seja mais localizada?

R- O Turismo do Centro é sempre um parceiro importante nesta matéria. No CEDET, em Vilar Formoso, temos uma parceria com essa entidade e ali fazemos a divulgação de todas as valências da Beira Interior e de Castilla y León. Este trabalho com o Turismo do Centro é essencial, mas temos que marcar pela diferença nos territórios de proximidade e necessitamos de conseguir que no interior seja dada outra resposta que ainda não existe. São necessários mais investimentos, até da parte dos privados, para dar respostas à procura que entretanto começa a aparecer.

P- Até que ponto faz sentido acreditar que, além do turismo, há outras opções de desenvolvimento económico no concelho? Em tempos, a Termolan instalou-se em Vilar Formoso, mas fechou. Poderá vir a ser a base de outro projeto, ou é um assunto para esquecer?

R- Não é para esquecer porque os empresários investiram muito dinheiro naquele local, mas por causa da crise pararam a produção. Esta unidade exportava apenas para o mercado europeu, mas agora têm outro mercado que está a funcionar melhor e exportam através do porto de Leixões. Por enquanto não há novidades, mas nós queremos que o projeto de ligação a Vilar Formoso e de consolidação e melhoria do parque TIR possam trazer mais-valias no sentido de dar condições aos camionistas que ali estacionam e fazem o trânsito internacional de mercadorias.

P- O Memorial a Aristides de Sousa Mendes é outra forma de trazer pessoas ao  concelho?

R- Está dentro do nosso objetivo termos uma rede e proporcionarmos atividades culturais a quem nos visita. É o caso do Memorial que está implantado em Vilar Formoso e do pequeno investimento que fizemos, no âmbito da Rede das Judiarias, na Malhada Sorda, com uma pequena intervenção na Esnoga. Queremos dar várias opções aos nossos visitantes de poderem conhecer o nosso território e aqui permanecerem mais tempo. Temos ainda o projeto do parque industrial de Vilar Formoso, que embora esteja um pouco parado, estamos em contacto com algumas empresas para se instalarem ali. Ainda temos lotes e facilitamos a 50 cêntimos o metro quadrado. Mas por agora não quero falar muito sobre isso.

P- Está portanto otimista com a possibilidade de atrair novos investimentos?

R- Sim, estou otimista que possa haver ali investimentos.

P- Houve alguns projetos, como o cicloturismo, para criar outra dinâmica. Há algum projeto novo, ou alguma realidade que possa vir a criar nos próximos tempos?

R- Temos um novo projeto na área do aproveitamento dos recursos naturais e que tem a ver com a utilização das bicicletas. Já temos uma parceria com Ciudad Rodrigo e vamos continuar. Fizemos um projeto para a população, o FortificArte, que permite transferência de atividades culturais, através de um intercâmbio com Ciudad Rodrigo. Temos ainda o desporto e o desporto de natureza, que inclui a ligação entre Almeida e Ciudad Rodrigo, com uma rota já marcada. No total são cerca de 500 quilómetros de percursos marcados. Durante este mandato queremos tratar estes caminhos e mantê-los em condições der serem utilizados e passar a à parte mais importante, a certificação das rotas, para que possamos vendê-las noutros mercados. Acredito que este nicho pode ter crescimento.

P- Aqui bem perto, o Fuerte de la Concepción atrai milhares de espanhóis todas as semanas e deste lado temos a Pousada de Almeida que foi desclassificada e há alguma dificuldade em conseguir que os espanhóis que vêm e até os portugueses fiquem por cá alguns dias…

R- Penso que isso tem a ver com o projeto em si, não é um Ministério da Cultura ou a Comunidade de Castilla e León que faz a diferença. As pessoas vão porque gostam daquele sítio e do serviço prestado. A Pousada de Almeida teve uma fase diferente porque integrava as Pousadas de Portugal e o grupo Pestana desinteressou-se desta pela sua dimensão. Há um empresário que está a lutar pela sua manutenção, com as dificuldades que também a crise trouxe… Mas está a tentar que ela dê resposta ao projeto que implementou.

P- É a sua estreia como presidente da Câmara – foi vereador durante 12 anos –, que vai fazer de diferente?

R- Durante estes 12 anos trabalhei sobretudo nas áreas do urbanismo e do ambiente e agora tenho a responsabilidade total da Câmara Municipal e conto com a equipa que me está a acompanhar para desenvolver o trabalho. O que posso fazer de diferente? Colocar a minha personalidade, a minha forma de estar na vida e dinâmica nos projetos que estão a ser feitos. Na Câmara de Almeida foi feito um bom trabalho nos serviços que prestamos, mas quando vamos falar do resultado em termos do crescimento do próprio concelho, embora tenhamos qualidade de vida, vemos que população vai envelhecendo e vai saindo da região. Isso é frustrante para quem tem responsabilidades autárquicas, mas também não sinto que os governos sintam isso. É necessário olhar para o território como um todo e criar oportunidades diferenciadoras no interior. Nós vamos fazer o nosso papel na nossa autarquia, mas muitas vezes vemos que para fazer qualquer coisa em Portugal atribui-se a responsabilidade aos autarcas, que muitas vezes também não são tratados como deveriam ser.

P – O Governo mudou a sede do Infarmed para o Porto. O que gostaria de reivindicar para Almeida?

R- Essa mudança poderia ser diferenciadora para o país. Posso dar um exemplo caricato, talvez até uma prisão estatal de grandes dimensões poderia ser instalada no concelho de Almeida. A acontecer a deslocalização de algum serviço, não podia ser uma estrutura que criasse pouco emprego mas bastante. A prisão é um exemplo, pois muitas vezes, em vários locais existem dificuldades de localização desse serviço e aqui no interior há locais onde era fácil colocar e a preços muito mais baratos.

P- Durante a campanha falou na necessidade de combater o despovoamento. Como pensa fazê-lo?

R- Vou associar-me aos movimentos que visem lutar pelo interior. Esta é uma questão que está na ordem do dia e há várias autarquias com bons projetos. O despovoamento do interior e a falta de oportunidades que há neste território é um desígnio que a maioria dos autarcas já interiorizou. Quando olho para o meu concelho sinto que se não houver políticas de fixação de população e da criação de oportunidades, isto cada vez vai ser pior. Tenho consciência que os resultados não se vão colher num mandato, nem em dois ou três. Os frutos do trabalho que agora fizermos vão aparecer mais tarde, por isso dá mais responsabilidade a quem tem que tomar decisões.

P- Há algum programa no município para fixação de jovens, para o apoio à natalidade?

R- Não temos um programa específico, temos o objetivo de vir a implementar esses projetos. Estamos ainda numa fase de estudo, mas podermos dar uma ajuda é mais um sinal do que propriamente o caminho. Temos de encontrar as  condições para que as pessoas possam empreender e investirem no sentido de se fixarem em Almeida.

P- Contrariando tudo isto, foi encerrado o balcão da Caixa Geral de Depósitos. Desde que que assumiu o mandato, já houve novas conversas com o Governo ou a administração da Caixa?

R- Foi um problema que ocorreu num altura em que não deveria ter ocorrido. O Governo tomou as decisões que tomou em relação a isso, nomeou os Conselhos de Administração que decidiram reduziram o número de balcões por imposição da União Europeia, e Almeida foi vítima dessa decisão, num sinal muito negativo. Levou a que as pessoas desacreditassem e houve várias manifestações que terminaram num acordo que foi possível fazer com a CGD. Ainda não estão implementadas as medidas desse acordo, mas tenho de acreditar e espero que o futuro possa vir a consolidar o acordo entre a administração da CGD e a autarquia, Entretanto ainda não houve qualquer desenvolvimento. Mas confio na boa-fé.

P- Se nada acontecer, poderá vir a tomar alguma medida?

R- Já fiz vários contatos nesse sentido e até temos projetos novos para propor à CGD. Espero que o diálogo vá nesse sentido.

P – Olhando para o mandato anterior, o que correu menos bem que é preciso corrigir e quais são ainda as fragilidades a corrigir nos próximos tempos para dinamizar o concelho?

R- É claro que tenho de falar da parte do turismo, que é o principal recurso que poderemos vir a ter crescimento. Também temos a parte agrícola para impulsionar e apostar na agro-pecuária.

P – Qual é, neste momento, a principal carência do concelho?

R- Almeida está bem infraestruturada. Nos últimos 24 anos trabalhou-se bem nesse sentido. Atualmente damos respostas em todas as competências que a Câmara tem responsabilidade, damos até respostas com um grau de qualidade superior ao que está nas suas obrigações. Além dos bons equipamentos, como as piscinas municipais, os espaços termais e cultural, o Museu Histórico-Militar e o Centro de Estudo de Arquitetura Militar, temos ainda um projeto para a zona das esquadras onde se vai instalar mais um Museu de Arte Africana e queremos criar a Zona Franca de Cultura, onde vamos dar a possibilidade de pessoas ligadas às artes poderem deslocar-se a Almeida e desenvolverem e apresentarem ali projetos. O turismo é outro sector que continuamos a trabalhar e na agricultura vamos procurar novos projetos. No que toca à qualidade de vida da população de Almeida, damos resposta às questões que é nossa obrigação dar.

P – Como está a autarquia em termos financeiros e de projetos?

R- A autarquia foi bem gerida no passado e espero também fazer uma gestão cuidada. Vamos levar à próxima Assembleia Municipal o orçamento do próximo ano, que já foi aprovado pelo executivo. Temos uma dívida a fornecedores que não chega a 60 mil euros, ou seja, que estão em transição. Fazemos os pagamentos em quatro dias. A nossa situação financeira é boa e conseguimos dar resposta aos projetos que possam aparecer.

P- O facto de ser “uma porta” para Espanha é uma oportunidade?

R- Sim, sem dúvida. O nosso relacionamento e interação com a Espanha são sempre oportunidades que temos de criar e aproveitar. Não me vejo a trabalhar o município sem olhar para a parte espanhola. Nós estamos à mesma distância entre Lisboa e Madrid, estamos mesmo no centro.

Perfil:

António Machado

António Machado estreia-se aos 44 anos como presidente da Câmara, (a sua primeira entrevista como presidente, esta, foi precisamente no seu dia de aniversário) mas as lides autárquicas já não são uma novidade. Antes de presidir ao município de Almeida, serviu-o durante 12 anos como vereador. Natural de Vilar Formoso e formado em Engenheira Civil pelo Instituto Politécnico da Guarda, o autarca dedicou a sua vida profissional às Estradas de Portugal, agora Infraestruturas de Portugal, onde desempenhou a função de técnico. «Estive sempre ligado a projetos de construção e beneficiação de estradas, bem como à segurança rodoviária», recorda.

É um homem das estradas que quer «criar um caminho novo para o concelho» e diz-se também humanista: «Na minha forma de estar na vida coloco sempre outras pessoas à frente e olho para o próximo», adianta António Machado. Ser vereador nunca foi um sonho, «muito menos ser presidente», confessa. Ainda não conseguiu «despir a camisola de técnico» e agora na cadeira maior do município vai tentar fazer uma «mistura» com a de «político»

Casado, António Machado tem três filhos de 12, cinco e um ano. A autarquia ocupa-lhe hoje em dia a maior parte do tempo, mas aos fins-de-semana gosta de se dedicar à família. Como hobbies, e como é comum na raia é «aficionado tauromáquico», revela, acrescentando que não só gosta de assistir a uma corrida de touros, como de «participar nos eventos relacionados com o tema», mas prefere ir às corridas em Espanha. O desporto «também esteve sempre presente» na sua vida, embora atualmente «não tanto como queria». Jogou futebol e andebol e sempre que pode a bicicleta é a sua companheira.

Antes de ser eleito, António Machado costumava acompanhar a equipa de futebol onde jogava o filho mais velho. As cidades vizinhas de Espanha sempre lhe despertaram interesse, «talvez pela forma de estar na vida dos espanhóis, mais alegres, bem diferente da nossa nostalgia», no entanto «gosto de ser português».

António Machado

Sobre o autor

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