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Quem vai pôr água na fervura?

É impensável o desastre de ficarmos sem Orçamento para 2011. Como há um tempo para tudo, é bom que os líderes políticos compreendam que, neste contexto, é preferível a cedência à intransigência.

A história não pode ser o que parece. Sem dúvida que vai ser diferente: o PSD e o PS vão chegar a acordo para aprovarem o Orçamento do Estado para 2011. Passos Coelho pode afirmar que não aprova, o Governo pode dizer que não cede. Mas quando chegar a hora da verdade vão ter de estar de acordo. Isso é certo.

A menos – e quantas vezes acontece? – que a irracionalidade de palavras lançadas para plateias de militantes conduza a caminhos que nenhum dos lados pretende mesmo percorrer.

Passos, no Pontal, fez uma espécie de ultimato – até dia 9 de Setembro, ou seja, dentro de dias. Já percebemos que o líder do PSD não quer que se mexa nos tectos de deduções com despesas com educação e saúde. O Governo poderia ter chutado para canto, mantendo apenas a ideia de que o país não pode deixar de ter um orçamento, mas há quem não resista. O ministro da Defesa, Santos Silva, desfiou um rosário de palavras – muito centradas na ideia de irresponsabilidade – que contribuem apenas para lançar lenha na fogueira. Miguel Relvas e outros dirigentes do PSD não se ficam atrás e vão a jogo. Ou seja, passado pouco tempo, em vez de se discutir o que interessa – haver um Orçamento – discute-se quem está a pôr em causa a sua aprovação e quem tem razão num assunto que nem sequer é central. (Por mim, considero que o PSD tem razão em não querer tectos nas deduções, mas abdico já dessa razão para ter um orçamento aprovado. O país sem Orçamento, impedido de cumprir o PEC, é um panorama bem pior do que ser obrigado, como pretende o Governo, a pagar mais impostos).

Como dizia Descartes, o bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo, porque cada um pensa que o tem. Na verdade, porém, se o bom senso faltar nesta matéria, quem vai colocar a necessária água na fervura? O Presidente está em campanha; o líder do PSD está pressionado por uma base partidária ávida de se ver livre de Sócrates; o primeiro-ministro não costuma ser homem para se deixar ficar sem resposta. Resta-nos a velha Europa, que há-de – haja Deus – pressionar o PS, o PSD, a presidência da República e tutti quanti de modo a que o Orçamento seja aprovado.

Não vale a pena fazer cálculos políticos sobre ganhos e perdas resultantes de um bluff idiota. Os portugueses percebem bem as diferenças entre o PS e o PSD, mas, neste contexto, valorizam mais a cedência e a calma do que a intransigência e o insulto. É tempo de ambos os lados se calarem e negociarem longe dos holofotes. Todos percebemos o que está em jogo: se falharem um acordo é mau para os dois lados. Seria uma prova de que o sistema está totalmente apodrecido.

Por: Henrique Monteiro

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