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Quem são os malandros que não pagam impostos?

Em Portugal, a esmagadora maioria dos cidadãos considera que paga demasiados impostos – e que há muitos malandros, os outros, que não só são ricos como não pagam nada ao fisco. Haverá alguma razão nesta avaliação. Mas também há uma realidade que subestimamos.

Em entrevista publicada na última edição do Expresso, o ex-director geral dos Impostos, Paulo Macedo, afirma, a dado passo, que em Portugal existe um problema de percepção do que se passa no plano fiscal, sublinhando que 50% – ou seja, metade – dos agregados familiares portugueses não pagam IRS, não porque fujam a essa obrigação, mas porque pura e simplesmente não têm rendimentos tributáveis para isso. Por outras palavras, dois milhões de agregados recebem em média menos de ?4.544 brutos anualmente (pouco mais de 900 contos em moeda antiga) – e, por isso, não pagam IRS.

Em contrapartida, segundo Macedo, os agregados com rendimentos anuais brutos superiores a ?100 mil representam 2% do total (cerca de 160.000 agregados) e contribuem para mais de 25% do total da receita arrecadada pelo Estado em IRS (valores de 2006).

Conclusões possíveis com base em dados de 2005:

1) Metade dos agregados, o que se pode traduzir em mais de quatro milhões de portugueses, não paga IRS porque não recebe o suficiente para isso. Somos, portanto, um país pobre e de pobres, já que temos dez milhões de habitantes, dos quais dois milhões de jovens que ainda não estão em idade contributiva e mais quatro milhões que ganham abaixo do mínimo. Destes quatro milhões, dois milhões vivem no limiar da pobreza.

2) A classe média estará entre ?50 mil e os ?250 mil de rendimentos brutos anuais e abrange 220 mil agregados, cerca de 440 mil pessoas. É um grupo pequeno que está a ser asfixiado pelo fisco, porque suporta um quarto do total do IRS que os cofres do Estado recebem.

3) Os agregados que ganham acima dos ?250 mil, eram apenas 3.434 em 2005 (um pouco mais de 6.800 contribuintes). I.e., os nossos ricos serão muito ricos – mas são muito poucos.

Com o aumento da eficácia fiscal nos últimos anos, através dos cruzamentos informáticos com as diversas fontes de rendimento dos contribuintes, a ideia de que continua a existir uma enorme fuga ao fisco em Portugal é cada vez menos verdadeira. Como é óbvio, fuga existirá sempre, aqui como em qualquer país. Mas ela é cada vez menor e cada vez menos escandalosa. A verdade é que os que pagam impostos ao Estado são sobretudo as empresas e dois milhões de agregados familiares – e, destes, os que contam verdadeiramente em matéria de IRS são menos de 225 mil agregados.

Isto não evita que Portugal seja o país com maiores desigualdades sociais – os mais ricos têm 8,2 vezes mais que os mais pobres, o dobro da média nos 15. Por isso, além de outras políticas a desenvolver, parece admissível pensar nalgumas medidas de política fiscal, a saber:

1) introduzir um escalão entre ?250 mil e ?375 mil, a que será aplicada uma taxa de IRS de 45%; 2) acima desse valor a taxa de IRS será de 50%; 3) reintroduzir o imposto de sucessões para rendimentos acima dos ?500 mil.

São ideias que não tornam o mundo perfeito. Mas ajudam a combater as actuais e enormes imperfeições.

Afinal, havia risco

E de repente, à boa maneira maoísta, uma fagulha ameaça incendiar toda a pradaria. A crise no mercado de crédito hipotecário de alto risco nos Estados Unidos, uma fatia minoritária daquele mercado, era, à partida, uma mera crise de liquidez. Por isso, a Reserva Federal norte-americano e o Banco Central Europeu injectaram milhões nos mercados para que a banca comercial conseguisse pagar o resgate de fundos a que muitos investidores decidiram proceder com medo de perder dinheiro. O problema é que o mercado de crédito se tornou tão complexo, devido às titularizações, “hedge fund”, novos créditos, etc., que ninguém consegue ver nitidamente quem perdeu e quanto nesta turbulência. Dessa desconfiança ao contágio às bolsas mundiais foi um passinho de anão – e eis que estão criadas as condições para se passar de uma crise de liquidez a uma crise financeira.

Por isso, para os que anunciaram a morte do risco neste tipo de operações, a última semana deve ter originado um despertar doloroso. Nestas alturas, regressa o efeito manada que leva tudo à frente: agora não há quem queira activos de alto risco, como os “hedge funds”, preferindo trocá-los pelos de baixo risco, como as obrigações do Tesouro dos dois lados do Atlântico.

Só que um movimento tão rápido agrava as perdas e o sentimento de pânico. E a volatilidade permanece em alta.

Para nós, o perigo mora no mercado imobiliário espanhol. É bom não perder isso de vista.

Por: Nicolau Santos

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