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Quando o adeus tem hora marcada

Os emigrantes estão de volta às aldeias da região. Na Mizarela e Arrifana, os carros com matrícula estrangeira sucedem-se em filas repletas de saudades, que só acalmam dentro das portas em que os ocupantes cresceram e se fizeram homens e mulheres.

O “abraço” à terra-mãe chega todos os anos por esta altura. As aldeias, muitas vezes marcadas pelo silêncio, ganham um novo fôlego que, apesar de efémero, anima as suas gentes e as suas praças durante várias semanas. A Mizarela, no concelho da Guarda, é disso exemplo.

Irene Soares partiu há 26 anos, «motivada pela pobreza», confessa esta emigrante que nasceu há 49 anos naquela aldeia. A irmã levou-a consigo aquando da morte dos pais, acabando por ficar sete anos em Milão (Itália). «Só que a minha patroa emigrou para a América e levou-me. Mas não me sentia bem em Nova Iorque e voltei para Portugal», refere. Contudo, o regresso a Milão teve que ser adiado devido ao seu casamento. Irene Soares, que trabalha como porteira, está há 11 anos em Milão com o marido e o filho, de 14 anos. «O meu filho não vê a hora de vir de férias, espero que goste sempre», sublinha. Voltar até seria opção, mas a conjuntura atual não o permite: «Onde iria arranjar trabalho?», interroga. Na sua opinião, a crise fez da Guarda um «deserto», o que a assusta porque está «habituada a multidões grandes».

«Aqui morre alguém e não vem outro “substituir”, a Mizarela já não é o que era», lamenta. Da mesma aldeia, Maria Gregória concorda: «Cada vez são menos porque na aldeia uns morrem, outros vão para os lares, e a povoação fica quase sem ninguém», constata com mágoa. Por sua vez, José Fernandes foi para França com 12 anos, na década de 80: «O meu pai e o meu irmão já lá estavam e eu fui com a minha mãe depois da morte do meu avô», lembra. Os hábitos mudaram e já não volta com os pais, mas antes para os visitar num lar das proximidades, duas vezes por ano: «É recarregar as baterias para ir trabalhar outra vez», frisa este empregado nos transportes frigoríficos de produtos alimentares. «Gosto muito da região, do rio Mondego e do sol da Mizarela», confessa. O encontro com a família e os amigos vai continuar a trazê-lo todos os anos, mas não de vez: «Os pais foram com ideias de retorno, mas nós fazemos vida lá e é complicado regressar», justifica José Fernandes, cuja esposa é francesa. «Em Portugal está a crise que vemos, as pessoas já começam a ter dificuldade em viver», nota.

Fátima Santos, de 44 anos, trocou a Misarela por Nova Jérsia (EUA) – onde ainda reside – há duas décadas. «O meu marido já estava lá e, quando casei, fui com ele», adianta. A auxiliar de ação médica tenta educar os filhos para que não esqueçam as origens portuguesas, como é o caso do mais velho, de 20 anos: «Ele continua a gostar de vir e é bom que não perca as raízes. Embora ele não fale muito bem português, faz questão de ver a família daqui», sublinha. Antes, a viagem fazia-se de dois em dois anos, mas devido à idade dos pais Fátima Santos tenta voltar mais regularmente. O futuro, esse, poderá ser repartido: «Os filhos não devem querer vir para aqui, mas, como gosto de Portugal, talvez passe uma temporada lá e outra cá», pondera.

É também na Mizarela que encontramos Fábio Fonseca, natural da Guarda, de visita à família da aldeia para a despedida, no passado sábado, antes de se fazer a dois mil quilómetros de estrada. O jovem de 26 anos emigrou para a Suíça com apenas 17: «Tinha lá a minha madrinha e, como aqui estava mau, despedi-me antes que me despedissem e fui», adianta o guardense, que trabalhava na Delphi. Apesar da tenra idade, Fábio Fonseca não se arrepende da decisão e diz que, «se calhar, até devia ter saído mais cedo». Depois de vários anos a trabalhar na restauração, o jovem é agora responsável num supermercado de frutas e legumes. Foi na Suíça que conheceu a esposa, natural de Braga, e é lá que conta construir o futuro dos dois filhos: «É mesmo para ficar por lá, aqui só para passar férias», garante.

A reforma não é sinónimo de regresso

«Fui com 24 anos, a “salto”, demorámos quatro dias e a passagem foi um bocado dura porque tivemos de caminhar muito, andámos em camionetas de animais e dormimos em cortes na montanha até conseguirmos chegar ao destino». É assim que começa a história de Francisco Alpendre, de 71 anos, que emigrou há quase meio século da Arrifana (Guarda) para França. Sem conhecer a língua ou os costumes, recorda-se de ter «de apontar com o dedo» quando ia às compras. Mais tarde, regressou para levar a esposa, Lurdes Martins: «Quando se chega e não se sabe dizer uma só palavra custa muito», admite a senhora, de 70 anos. Hoje estão reformados, sendo que, antes disso, Francisco Alpendre trabalhou na empresa HP e a esposa na limpeza de escritórios.

Depois de longas décadas de regresso só para férias, o casal pode demorar-se o tempo que quiser, mas as viagens são mais solitárias: «Os filhos já não vêm connosco, são maiores, cada um tem a sua vida», vinca Francisco Alpendre, que continua a voltar por «amor à terra natal, primeiro era para ver os pais, agora os irmãos. Enquanto pudermos e a saúde o permitir é para continuar», garante, emocionado. O regresso em definitivo é que não está nos seus planos: «Temos lá casa, filhos e netos… Sinto alegria em ver a família, mas quando os filhos lá ficam custa-me um pouco, mesmo sendo só férias», admite Lurdes Martins. Já em relação à crise em França, a emigrante considera que «é mais nos jornais, porque os restaurantes, cafés e espetáculos estão sempre cheios, não vemos a crise».

Remessas deverão aumentar em 2013

O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas considera que este ano as remessas financeiras dos emigrantes deverão aumentar, acompanhando a tendência de 2012.

«No ano passado, tivemos o valor mais alto da década: 2.749 milhões de euros. Este ano, pelas indicações que temos, volta a haver um crescimento», declarou recentemente José Cesário em Vilar Formoso, à margem de uma ação de sensibilização rodoviária e de boas-vindas aos emigrantes que regressaram a Portugal para férias. Contudo, o governante sublinhou que, «mais importante» do que o dinheiro enviado, é o papel de divulgação de Portugal nos países de acolhimento. «A esse nível, o cálculo nunca foi feito», admitiu, considerando que esse papel é «um contributo impressionante para o desenvolvimento do país, particularmente na área do turismo e de todos os setores económicos que lhe estão conexos».

Sara Quelhas Fábio Fonseca conheceu a esposa, natural de Braga, na Suíça

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