1. Em Portugal, por muita austeridade que seja imposta, há sempre lugar para os favoritos do regime. Para os predilectos dos partidos que ocupam o poder. Aprovam-se leizinhas muito pipis, muito densas juridicamente, que – dizem! – reflectem o labor metodológico e dogmático de vários séculos da Ciência Jurídica. Eu ensino aos meus alunos da Faculdade de Direito de Lisboa que a lei apresenta uma tendência estrutural para a generalidade (aplica-se a um conjunto indeterminável de pessoas) e abstracção (aplica-se a uma indeterminabilidade de situações). E note-se que já ressalvo que apresenta uma tendência: não afirmo que a lei é geral e abstracta! Mesmo assim, estou cada vez mais convicto que a lei só se aplica a alguns – para uma grande maioria, se for “próxima” ou “amiga” do Governo, o Conselho de Ministros trata de aprovar um conjunto de excepções que acaba por inutilizar a regra geral. No final: muda-se muito para…ficar tudo na mesma. É claro que só um núcleo reduzido consegue ter tamanha influência junto das decisões do executivo: destacam-se, neste ponto, os designados “gestores públicos”. Acredito e sei! – que haja gente bastante qualificada a trabalhar em empresas detidas ou controladas maioritariamente pelo Estado : contudo, todos sabemos que o sacrossanto cargo de “gestor público” tornou-se o lugar institucional dos “amigalhaços” políticos dos governantes. Infelizmente, as empresas públicas tornaram-se a Meca dos que sempre viveram à sombra e à mercê das estruturas partidárias. Gente com reduzido mérito, sem experiência profissional, que julga que Portugal é um partido político grande: para ser um governante proficiente, basta arranjar mais umas folhinhas de militantes e no final contam-se quem trouxe mais. Aquele que registar maior número de militantes trazidos para o partido, ganha o estatuto de “assessor do mês” …e a partir daí, fica a um passo de um cargo chorudo numa empresa pública. É assim que funciona o nível superior da nossa Administração Pública, dependente, como está (mal!), dos interesses partidários e individuais de alguns (não é, Miguel Relvas?). É assim que os Mexias, os Gomes vão aguentando nos seus cargos, sem contestação. Quando alguém tem a ousadia de questionar o trabalho dos nossos eméritos gestores, eles fingem-se de mortos. E os nossos políticos retribuem.
2. Estas considerações vêm, na sequência, das excepções que isentam alguns administradores do limite remuneratório definido pelo Governo: o salário mensal não poderá ser superior ao salário do Primeiro-Ministro. Ora, este excepção é incompreensível, até porque o Governo já iniciou o processo de privatização da RTP. Então, o Governo decidiu privilegiar o Presidente do Conselho de Administração de uma empresa que pretende privatizar – qual é o benefício? Qual é a racionalidade da decisão? Sendo que a RTP tem registado nas últimas semanas valore mínimos de audiência…
3. Aqui está um mais um retrato de Portugal: os gestores públicos arranjam sempre forma de fugir à austeridade. Quanto mais incompetentes forem, mais generoso o Governo Passos Coelho é. Em Espanha, a incompetência dolosa, propositada apenas para prejudicar os interesses do país, é susceptível de gerar a aplicação de pena de prisão para os “brilhantes” gestores públicos…Em Portugal, aumenta-se a remuneração e ainda leva um motorista como prémio de consolação. Eu também quero ser gestor público em Portugal!
Por: João Lemos Esteves