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Problemas Éticos

O New York Times decidiu, já em 2007, disponibilizar gratuitamente os conteúdos da sua edição online. É permitido agora o acesso livre a todos os documentos publicados desde 1981 (os textos publicados entre 1851 e 1980 também estão disponíveis, mas é preciso pagar). Entre estes, aprecio particularmente os de Randy Cohen, numa coluna publicada no magazine dominical intitulada “The Ethicist”, em que responde a questões éticas colocadas pelos leitores. Refira-se que em todo o mundo anglo-saxónico há o hábito de discutir este tipo de questões, logo a partir dos bancos das escolas, existindo inúmeras publicações periódicas e sites na internet que lhe são dedicados (por exemplo http://www.globalethics.org/). A importância dos textos de Randy Cohen reside sobretudo no seu sentido de humor e no facto de terem uma difusão global a partir de um dos mais importantes jornais do planeta. Esses textos, lidos em Portugal, evidenciam ainda muito do que nos separa, pese embora o aumento do nosso nível de vida, da verdadeira civilização.

Há entre nós quem busque orientação para a sua vida na religião. Richard Dawkins, o mais notório ateu do nosso tempo, aponta que os dez mandamentos, verdadeira e única codificação de preceitos éticos de boa parte da humanidade, deixam muito a desejar nesse sentido. Contêm o óbvio: “não matarás”, “não roubarás”, mas gasta-se depois quase metade do decálogo em preceitos simplesmente religiosos, como a proibição de adorar outros deuses, o respeito do Sábado, a proibição da invocação do nome de Deus em vão. O resto reconduz-se ao respeito pelos pais e à proibição do adultério, do furto, da inveja, do falso testemunho. Segundo Dawkins, que entende que o conjunto não é sequer coerente (que fazem aqui o adultério e a inveja?), isto é muito pouco. Ainda por cima, a religião não tem hoje a importância que tinha. A bíblia deixou de ser lida e as igrejas vão ficando desertas.

Resta então a lei. O problema é que o corpo legislativo foi crescendo e foi-se tornando cada vez mais complexo. É preciso ser hoje um especialista para saber o que fazer nas mais diversas situações, perante o emaranhado de decretos, regulamentos, leis, portarias, códigos. Não está aí, disponível para todos, um conjunto de regras simples que se possam utilizar no dia-a-dia. Perante tanta norma de conduta, legislativamente imposta e tantas vezes não compreendida, torna-se quase legítimo jogar com as formas de lhe escapar – ainda por cima fornecidas pelo sistema. Sabe-se que um crime está prestes a prescrever, sabe-se também que um recurso pode gastar o tempo que falta. Questão ética: deve-se recorrer, mesmo sabendo que o recurso não tem fundamento, apenas com o objectivo de fazer passar o tempo que falta para a prescrição? Nem me atrevo a responder.

Outro problema é que na nossa sociedade, no nosso país, os valores são tão difusos, é tão pouco previsível que o outro vá fazer o que está certo, que nos tornamos poucos fiáveis e que se torna perigoso negociar connosco. As empresas e a economia sofrem, e muito, com isso. Cada vez mais são necessários complicados contratos e custosas garantias. Os tribunais entopem com os processos e da sua rápida e justa resolução dependem muitas empresas e muitos postos de trabalho. É também por isso que, mais do que legislar sobre a Justiça, é urgente trazer a ética aos bancos da escola.

Por: António Ferreira

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