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Menos que Zero

Termina amanhã uma das campanhas eleitorais mais atípicas dos últimos anos. Durante semanas, quatro candidatos conseguiram atacar diariamente um só adversário: Cavaco Silva. Pelo meio ainda se registaram algumas curiosidades. Como o facto de o terem acusado de confundir as competências do Presidente da República com as de um primeiro-ministro, para acabarem a criticar os anos em que Cavaco Silva liderou o Governo, confundido, eles próprios, as competências de cada órgão.

O apogeu foi atingido quando alguns dirigentes socialistas falaram de um “golpe de Estado constitucional” caso Cavaco Silva vencesse as eleições.

Igualmente original foi o facto das sondagens colocarem o candidato socialista não-oficial, Manuel Alegre, à frente do candidato oficial, Mário Soares. O que, em certa medida, foi resultado das estratégias eleitorais de cada um. e.

O ex-Presidente da República foi igual a si próprio, porém o seu discurso tornou-se algo anacrónico aos olhos de quem nasceu e cresceu em democracia. Os próprios socialistas não esquecem os ataques feitos por Soares aos líderes do PS que lhe sucederam, incluindo Sócrates. Que Mário Soares se auto-intitule pai da democracia e do PS, ainda vá lá. Porém, confundir paternidade com propriedade parece ter incomodado os socialistas.

Manuel Alegre soube aproveitar este sentimento para atrair uma fatia importante do seu eleitorado natural. Para além disso, reivindicou a representação da sociedade civil de esquerda e atacou as lógicas partidárias, tentando passar a imagem de um candidato sem mácula. A estratégia parece ter resultado.

Jerónimo Sousa e Francisco Louçã disputaram uma corrida à parte. O líder comunista continuou a colher frutos da sua simpatia, procurando manter o eleitorado comunista. O bloquista, por seu lado, fez aquilo que tanto criticou em Paulo Portas: visitou dezenas de mercados, distribuiu beijos a granel e, como bom comunicador, lançou frases populistas para as manchetes dos jornais. O único problema é que a boa forma não dispensa a qualidade do conteúdo. Veremos quem leva a melhor neste campeonato secundário.

Uma palavra final para Garcia Pereira. Foi, talvez, o candidato mais realista. Tem um bom discurso e, não fosse a área política que defende, a votação poderia ser bastante mais expressiva.

A confirmarem-se todas as sondagens, Portugal vai ter pela primeira vez um Presidente da República de centro-direita. Ao contrário do que alguns dirigentes do PS disseram na campanha, este é o resultado mais favorável para Sócrates. Cavaco Silva vai ser cauteloso para não dar razão aos que anunciaram um conflito institucional no caso das sondagens se concretizarem. Para além disso, a política seguida pelo Governo socialista é, nitidamente, uma política de centro-direita. Algo que, com Soares na presidência, seria um foco de conflitos. Afinal de contas, ele é o pai do socialismo português e, como tal, não admitiria veleidades ao socialista Sócrates.

Por: João Canavilhas

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