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Preconceitos e Hábitos

Steve Jobs tinha a fama de ser forreta. Contrariamente a outros multimilionários norte-americanos, alguns dos quais, como Bill Gates ou Warren Buffett, doaram uma parte importante da sua fortuna (e convenceram outros a fazê-lo), não lhe era conhecido qualquer gesto filantrópico. Tinha chegado a criar uma fundação mas, por falta de tempo ou qualquer outro motivo, mandou-a encerrar um ano depois. Em Agosto de 2011, numa coluna de Andrew Ross Sorkin, Jobs era criticado no New York Times pelo seu egoísmo. Muitos outros, depois e antes dele, bateram na mesma tecla. Clara Ferreira Alves, por exemplo, que na sua crónica no Expresso do passado dia 25 de Maio recordava que “Steve Jobs nunca deu um tostão ao próximo, nem praticava a filantropia”.

Clara Ferreira Alves não foi já a tempo, antes de mandar a sua crónica, de ler outro artigo no New York Times (edição do passado 24 de Maio) sobre o mesmo assunto. A viúva de Steve Jobs, aparentemente, cansou-se da fama do marido e decidiu contar a verdadeira história. Afinal o casal doava muitos milhões, e há mais de vinte anos que o faziam. Anonimamente, porque Jobs detestava a publicidade habitualmente dada a esses assuntos, e chegaram ambos ao extremo de criar uma organização através da qual eram feitas as suas doações. Esta foi criada sem isenção de impostos precisamente para garantir o anonimato que a tal fundação, pelas suas isenções fiscais, não podia ter.

É claro que a partir de agora haverá muita gente a rever os factos que tinha dado por adquiridos sobre o assunto, e ainda bem. Há preconceitos que às vezes se mantêm durante muito tempo, pesem embora todas as provas em contrário. E quando falo em “muito tempo”, é mesmo muito. Há por exemplo uma espécie de borboletas na América do Norte (Monarch Butterfly) que faz uma longa migração, do Sul do Canadá ao México Central (a história é contada em “Pilgrim at Tinker Creek”, de Annie Dillard). Há uma altura em que têm de atravessar um lago e, a meio deste, onde não podem parar para descansar, em lugar de seguirem em frente para o cruzarem o mais rapidamente possível, viram bruscamente para Leste, seguem em frente durante algum tempo e regressam, também bruscamente, à rota inicial. Não existe qualquer razão óbvia para agirem assim e o seu procedimento foi um mistério até há pouco tempo. A explicação foi dada por geólogos e biólogos: naquele ponto do lago havia antes, há muitos milhares de anos, uma das montanhas mais altas da América do Norte. Tão alta que as borboletas não podiam passar por cima dela e tinham por isso de se desviar no seu percurso, o que fizeram durante muitos anos e continuaram a fazer, muitos e muitos milhares de anos depois dessa montanha ter desaparecido e o caminho ter ficado limpo.

Por: António Ferreira

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