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Pradial

1. Já quando andava no Liceu, a matemática era para mim um pesadelo. Mais tarde, já na Faculdade, as assombrações continuaram, por via das disciplinas da área económica. Sempre detestei a Economia. Uma ciência tão inútil como a morte. Mas que, no essencial, não deixa de ser uma realidade perfeitamente… paralela. Vai daí, soube hoje que, por aplicação da tabela das agências internacionais de rating, estas fizeram descer a notação financeira de Portugal, de ‘A3’ para ‘Baa1’. O País fica assim a três degraus da classificação de “lixo”! A sunny junk country, man! Note-se que essas mesmas agências são as que, em 2008, antes da “bolha”, avaliavam o tóxico subprime com a classificação AAA. Vejam o magnífico documentário “Inside Job” e perceberão como o esquema circular funcionava. Portanto, estamos à beira de acabar num anódino quintal das traseiras do mundo financeiro, convenientemente escondido dos convidados da boda. O que custa, no meio desta excitação pré-insolvente, é perceber que os investidores de Wall Street ou de Singapura conhecem melhor a nossa realidade económica do que os cidadãos deste cantinho à beira mar enxertado. Uma realidade demasiado dura para a nossa mansidão e que os Governos têm vindo, piedosamente, a ocultar. Talvez pensando, que, como eu, os portugueses não gostem de fazer contas…

Lembram-se quando, há três anos atrás, o processo de aprovação da Lei 37/07, de 14 de Agosto, conhecida como lei “anti-tabaco”, foi tema fracturante na opinião pública, maxime na blogosfera? A minha posição balanceou, na altura, entre a aprovação – um bom momento para fazer coincidir o facto de ter deixado de fumar há pouco com a extensão da restrição do consumo de tabaco em locais públicos – e a crítica ao propósito algo higienista que, no meu entender de então, motivou a aprovação da Lei. No final, tendi para a aceitação da nova regulamentação, sobretudo porque o direito ao bem-estar e à saúde deve prevalecer perante o direito do consumidor/fumador de ver satisfeita sua adição. O acerto desta tomada de posição veio reforçado num texto que escrevi, um ano depois, congratulando-me com os benefícios de ter parado de fumar. Ora, é sabido que, no início, a Lei funcionou razoavelmente, incluindo os sistemas de exaustão. Ainda que a sua homologação só viesse a ser regulamentada posteriormente. Talvez porque o temor de uma visita da ASAE pusesse de sobreaviso os proprietários dos estabelecimentos mais incautos. Com o tempo, veio a impor-se a tradicional “vista grossa” à portuguesa. Isto é: generalização da permissão de fumar em bares, cafés e estabelecimentos de diversão, sem que os sistemas de exaustão cumpram os requisitos legais e ficando mesmo longos períodos desligados, para “economizar” energia; inexistência de áreas destinadas a não fumadores nesses estabelecimentos. Para agravar o cenário, é precisamente na cidade onde vivo – a Guarda – que os abusos mais acontecem. Há dias, durante a quadra pascal, percorri alguns estabelecimentos nocturnos da cidade. Em todos eles, sem distinção, o ambiente de fumo era insuportável. Olhava para o lado e via toda a gente a fumar. E nem um exaustor a funcionar!… Mas enquanto bem sentia nos olhos e nos pulmões o ambiente criado, os fumadores pareciam ignorar os efeitos nocivos do seu consumo. Como se a névoa fizesse parte da mística da noite. Como se, para lá da sua satisfação, mais nada houvesse que respeitar. Devo dizer que esta atitude, mesmo reveladora de um profundo egoísmo, não é a razão principal deste ambiente irrespirável. Afinal, se fumam é porque sabem que o podem fazer. Os verdadeiros responsáveis são os proprietários desses estabelecimentos. Os quais, permitindo fumar, muitas vezes por razões comerciais, não tomaram as devidas precauções impostas pela lei. Os quais, centrados no peso da caixa registadora, ignoram o facto de poderem perder tantos clientes como aqueles que angariam.

O que perguntas exactamente? – Não sei…é algo que se situa além das palavras… – Ao alcance dos gestos…mas são precisamente os gestos que estão fora do meu alcance… – Isso diz tudo sobre nós… – Realmente pensas isso? – Não, sabes que não. – Eu sei que deveria jurar-te que posso encher de realidade os sonhos, mas não posso. – Eu sei… – Devia dizer que quero que sejas feliz…que por isso me afasto…mas esta conversa desmentiria isso… – E o que queres? – Um sonho impossível. – Bom, ou uma coisa ou outra… – E que tal as duas? – Pára de falar assim…

Por: António Godinho Gil

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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