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Extremo Acidental

Primeira declaração de interesses: tenho mais simpatia por uma Casa Real do que por um Presidente da República para assegurar a chefia do Estado. Segunda declaração de interesses: nunca votei no político Aníbal Cavaco Silva. Terceira declaração de interesses: acho uma palhaçada começar um texto com três declarações de interesses.

Senhores magistrados da Procuradoria, leiam este texto com muita atenção, porque é provável que consigam encontrar formas subtis e encapotadas de insinuar que o meu colega de profissão aposentado que está investido no cargo da Presidência da República talvez possa apresentar características de similitude com um indivíduo cuja profissão consista em provocar reacções facetas na audiência.

Sabemos agora que um escritor se pode meter em sarilhos com a justiça só por comparar Cavaco Silva a um palhaço. Tal comparação, penitenciou-se Sousa Tavares, foi excessiva e irreflectida. Concordo. Se à primeira impressão poderíamos aceitar com ligeireza a alegoria do presidente como palhaço pobre, por causa da sua pensão de miséria, ou uma semelhança com o palhaço rico, pelos reparos moralistas ao comportamento dos outros, uma reflexão mais cuidada concluirá que Cavaco Silva não é um palhaço. O presidente também não é um bobo, cuja função era mostrar os absurdos do poder, enquanto a de Cavaco tem sido escondê-los. Se por acaso tiver – e longe de mim sugerir que tenha – alguma parecença com uma figura do burlesco e da comicidade, o professor Cavaco seria uma que não fala, que comunica por gestos e se comporta como se estivesse na presença de objectos invisíveis. Obviamente, não é um palhaço. Segundo a opinião generalizada da minha família, palhaço sou eu. O senhor presidente da República é um mimo.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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