Em 1995, o XIII Governo Constitucional, liderado por António Guterres, formalizava o seu compromisso pré-eleitoral de constituir um Ministério da Cultura com vista a encetar uma «conceção estratégica sobre o papel da cultura no desenvolvimento do País», segundo Manuel Maria Carrilho, responsável pela pasta, e assim colocar fim a oscilantes promoções e despromoções da Secretaria de Estado da Cultura ao estatuto ministerial. Para a História ficaram diversas decisões políticas dos seus sucessores que se empenharam em fusionar, desvirtuar e extinguir alguns organismos, alterar leis de bases e tantas outras medidas que, chegados a 2010, o estudo sobre o “Setor Cultural e Criativo em Portugal” (Augusto Mateus & Associados, 2010), encomendado pelo próprio Ministério da Cultura, não teve direito a apresentação pública, nem muito menos à presença do primeiro-ministro, como na altura alguns assessores acreditavam que o deveria fazer. Afinal, o relatório – na esteira de vários estudos internacionais sobre a matéria, com o marcante “The Economy of Culture in Europe” (Comissão Europeia, 2006) – apontava para um peso de 2,8% no VAB (Valor Acrescentado Bruto, 2006), superior às indústrias alimentares e bebidas ou à dos têxteis e vestuário, uma taxa média de crescimento anual de 2,9% e 2,6% do emprego nacional. Para quem não está dentro destes assuntos é bom relembrar que o setor cultural sempre almejou 1% do Orçamento Geral do Estado (entre 1998 e 2005 ficou-se entre os 0,5% e 0,8%), percentagem que nos últimos anos se revelou um objetivo utópico (atualmente deve estar em 0,2%-0,3%). Não é pois de estranhar que na campanha eleitoral de 2011, José Sócrates tenha defendido que na sua próxima legislatura a cultura deveria receber mais atenção. O facto é que não só não recebeu mais atenção como, com a entrada em cena de Pedro Passos Coelho, ficámos reduzidos a um secretário de Estado da Cultura. E eis aqui que, na minha opinião, reside o cerne da questão. Todos compreendemos que as restrições orçamentais devem abranger todos os setores, quem trabalha no meio também já está acostumado à famosa frase “fazer mais e melhor com menos” e, diga-se, sempre com grande dose de criativo “amor à camisola” e “boa vontade” dos vários intervenientes. Mas o que não é compreensível, a meu ver, é a assunção da cultura como elemento transversal que, estando presente em tudo, abstratiza-se e esfuma-se no ar, e de algo acessório, que nem tem direito (nem dignidade) a ter voz ativa no órgão colegial que se encarrega da governabilidade da Nação.
Pois bem, o XX Governo Constitucional brindou-nos com o Ministério da Cultura, Igualdade e Cidadania… deixo ao leitor as reflexões que queira elaborar. Contudo, é essencial não esquecermos, especialmente considerando os recentes atentados de Paris, que a cultura é fundamental na consubstanciação da nossa identidade e na identificação dos nossos valores civilizacionais. E isso não me parece nada secundário. Termino com um excerto de um discurso (1966) de André Malraux, ministro dos assuntos culturais do general Charles de Gaulle: «Mas o problema que a nossa civilização nos coloca não é de todo a diversão é que, até agora, o sentido da vida foi dado pelas grandes religiões, e mais tarde pela esperança de que a ciência substituiria as grandes religiões, enquanto hoje já não há mais significado para o homem e não há mais sentido do mundo, e se a palavra Cultura tem um significado, é o que responde ao rosto que no espelho tem um ser humano quando ele olha para a morte do seu rosto. A Cultura é o que responde ao homem quando ele se pergunta o que faz na terra».
Por: Tânia Saraiva*
* Historiadora da arte