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Porque o Luís não tem razão

As Maternidades, como tantos outros serviços de saúde, têm um problema de base que se chama recursos em saúde. De facto, é bom imaginar que vivemos uma época em que tudo nos foi dado e é desagradável perceber que estamos a entrar num tempo de contracção de direitos e de benefícios. Mas não é aqui, caro Luís, é em toda a Europa, e observa a França em ebulição. Os homens do Mundo rico em que nos incluímos devem perceber que os recursos estão a diminuir porque também os outros, os mais pobres, começaram a exigir direitos razoáveis e aceitáveis.

Há equilíbrios mundiais – planetários, se incluirmos a verdade do ambiente e da fome e da defesa dos recursos naturais. Há um mundo e uma ideologia que muda por trás destas maternidades que encerram. Não se trata de ter uma maternidade à porta, mas sim de imaginar melhor saúde e mais responsabilidade de quem tem filhos e de quem os ajuda a nascer. Meu caro Luís, as maternidades não tratam doença e sim partos que são produto da natureza e, portanto, normalidade. Para salvar o maior número de crianças de acidentes criaram-se maternidades e agora é preciso que elas tenham maior qualidade. Também há que lembrar-te que da Guarda ia muita gente parir a Coimbra por falta de crença na sua própria maternidade e agora esses também pagam a sua decisão. As culpas não são sempre dos outros e as decisões têm consequências.

Dizer mal e levar a Maternidade à televisão não vos preocupava, mas agora anda tudo a pensar no que se passou. A única coisa de que se ouviu falar foi de uma insistência incrível dos jornalistas em dizer o pior da Maternidade, e recordo alguns médicos que também faziam disso o seu dia a dia, com fins inconfessáveis. A Guarda até viu nascer uma turba de clínicos que pagava em grupo as infâmias que um escrevia em desafogos e toleimas. Mas eu fiz nascer o meu Vasco ali, na Guarda, e recordo ainda com mágoa como o médico da minha mulher se foi embora sem uma simpatia, e como ainda hoje não nos deu os parabéns ou perguntou se o menino estava bem – infame não é? Mas aconteceu na Guarda e também estes pequenos nadas se pagam. Aliás, tudo se paga e tudo se recorda.

De tanto mal dizer a Guarda é alvo fácil. Da fuga dos nascimentos que contabilizam em Coimbra se faz a conta do encerramento. Da fuga da Pediatria para a Covilhã se faria o destino. Afinal, os poucos casos de doença que acompanham a maternidade precisam, por exemplo, de neonatologia que aqui não há e está a 20 minutos de um carro. E não falem de ambulâncias móveis e outros disparates caríssimos e que obrigam a mais horas extraordinárias e escalas de técnicos. Esse tempo acabou. A Guarda tem imensa gente noutras cidades onde brilha e faz suas vidas. A Guarda tem uma vasta emigração cá dentro que também é culpada de toda esta morte lenta. Vou a Viana e lá está gente da Guarda. Em Coimbra, em Lisboa e Porto, por todo o lado, gerindo serviços e fazendo caminho, mas sempre de costas voltadas à sua raíz. São seus primos? Então também têm culpa e não se chamam Sócrates.

Meu caro amigo Luís, a verdade é que uma análise profunda da realidade dificilmente não fará da Maternidade da Guarda o ponto fraco, e se mandasse eu, era mesmo a que fechava entre os três sim que clamavas há dias atrás. E tenho soluções? Claro que a resposta está no Michael Porter e tenho-o dito há muito. Ser diferente, ser específico e ter muita qualidade. Criar uma estrutura semi-privada de partos alternativos, mais consentâneos com as modas do mundo civilizado. Ter unidades de fazer o parto em casa, de ter filhos em piscinas, sem dor, como há em toda a Europa do Norte, e aqui, por teimosia, falta de visão e mentalidades tacanhas, tem sido sempre difícil. Pergunta a alguns dos ornitorrincos da tua Maternidade o que acham disto e estarão contra, como sempre. E prepara-te para ver fechar muitos mais serviços, pois, como já escrevi n’ “O Interior”, o envelhecimento médico é tal que em breve não há quem faça as noites. Acabe o Governo com as horas extra e metade dos mercenários foge daí e outra metade prefere o sossego da reforma. Olhem em frente para anteceder os acontecimentos.

Por: Diogo Cabrita

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