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Por quem os sinos dobram (I)

“Alguns povoados, principalmente aqueles que se encontram em pontos elevados, ou por outros motivos, com o passar do tempo acabaram por ser abandonados.”

Vítor Pereira em “Vestígios Ocultos”, publicado no jornal O Interior de 29/01/2004

Tive recentemente oportunidade de visitar o Museu do Granito, onde estão reunidos os vestígios arqueológicos daquela estranha região onde outrora se ergueu a extinta cidade da Guarda.

É interessante ver como e do quê as pessoas falavam naquela época. Dizia um tal Rui Isidro no mesmo número do referido jornal, que chegou até aos nossos dias através dos arquivos de alguns coleccionadores locais: “A função de um colunista de opinião é mesmo essa: ter opinião.”

Não pensem que ele se referia a colunas arquitectónicas como as da praça da cidade que existiu acima da nossa actual Covilha, na altura denominada Covilhã por provável analogia com a lã, material altamente alergizante que envolvia o corpo de uns bichos que os habitantes desse fascinante mundo há muito desaparecido _ o interior granítico da península _ idolatravam, chegando ao ponto de os passear em grupo pelos campos todo o santo dia com uns primitivos mas encantadores objectos de metal chamados badalos ao pescoço. Aludia, sim, às colunas de caracteres impressos através das quais as pessoas comunicavam, utilizando como substrato um subproduto das árvores chamado papel.

Rui Isidro coloca a questão do privilégio que se tem e do risco que se corre em expressar publicamente opiniões.

Esta dicotomia é citada, em número subsequente do referido jornal, por outra colunista, de nome Maria Massena, que acrescenta: “Peço desculpa pelo atrevimento mas tenho várias opiniões a dar, todas elas impopulares”. Devia ser tímida, esta tal de Maria Massena, porque passava a vida a pedir desculpa pelo que dizia, como tive oportunidade de ver noutros escritos da sua lavra. Para estar constantemente a pedir desculpa mais lhe valeria estar calada, mas se calhar era um estilo, como chamavam na altura às formas esquisitas de escrever. E continuava, de feição: “Peço ainda desculpa por dar tanta opinião junta mas como sabem tenho andado ocupada a incomodar os leitores com as minhas crónicas sobre Nova Orleães, de forma que deixei acumular muitas contemporaneidades de que urge falar”.

A primeira das prometidas opiniões era: “Em breve os sinos vão dobrar pela Guarda, tal como a conhecemos actualmente”. Esta ideia, obviamente plagiada do famoso escritor da época pós-colombiana Ernest Hemingway, era a seguir aborrecidamente desenvolvida, referindo as frequentes e desnecessárias escaramuças entre os guardenses e outras tribos da região, nomeadamente os senenses e os gouveenses que estavam, na altura e muito sensatamente, como a história veio confirmar, a tentar desmarcar-se dos guardenses para se aliarem a comunidades francamente mais prometedoras como a nossa predecessora Covilhã e os nossos vizinhos vizences, “em cujas estradas e rotundas, árvores de crescimento rápido são prontamente plantadas” enquanto que as “antiquíssimas tílias da Guarda são vendidas por uns trocos para erguer bombas de gasolina”, continua a Maria Massena.

Pelos vistos, davam muita importância às árvores, na altura. Não sabiam, ainda, que era possível viver sem elas.

Mium, 2224

(Continua)

Por: Maria Massena

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