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Observatório de Ornitorrincos

Grande parte dos sociólogos contemporâneos – como Castells – classifica a Internet como uma ferramenta revolucionária – talvez a maior invenção humana desde o puré de batata instantâneo. Justificam essa afirmação com os exemplos clássicos da liberdade de acesso a um novo espaço público – onde qualquer homem pode usar um nick feminino para entrar nas salas de chat para lésbicas – e da quantidade virtualmente infinita de informação disponível – nomeadamente os plantéis de todas as equipas da Division 3 escocesa ou o nome dos electricistas do penúltimo filme de Gil Junger (o ansiado If Only, de 2004 com Jennifer Love Hewitt). Não discordando do essencial, a verdade é que os teóricos se têm esquecido da maior revolução introduzida pela Internet: a pornografia global. Mais do que o capitalismo, a pornografia é hoje o fenómeno que melhor representa a globalização. E ao contrário do que desgosta os adeptos de Porto Alegre, é uma prática multicultural. Além de ser multinacional, multiposicional e com parceiros múltiplos.

Com o acesso cada vez mais facilitado à rede, todos podem ver fotos e filmes porno no recato das suas casas e dos seus pc’s e laptop’s, o que até há algum tempo só era possível fazer em casas da especialidade. Entre outras, esta é umas das características que a pornografia tem em comum com a entrega da declaração do IRS.

O alastramento da pornografia generalizou uma categoria especial do sexo filmado – o vídeo caseiro. A profusão de home videos demonstra a vitalidade do sector privado e a pujança da sociedade civil. Se mais provas fossem necessárias da capacidade da livre iniciativa e do espírito de cidadania que se vive no Ocidente, elas estão nos milhares de sites voyeuristas que se encontram online. A pornografia é neoliberal, mas também é comunitária. É particularista e globalizada ao mesmo tempo. E segue os preceitos do movimento Amigos da Terra, “pensa no global, actua no local”. A democratização do acesso a imagens de sexo e gajos/as nus/as é uma das mais importantes conquistas dos direitos de cidadania desde que as meias brancas deixaram de ser moda.

Quando pensar em participar numa manifestação anti-globalização, lembre-se dos sites e dos fóruns pornográficos gratuitos onde costuma passar as madrugadas enquanto inventa mil insónias ao cônjuge e nas alegrias que a Internet lhe proporciona.

Nota: Este é provavelmente o artigo com mais tempo de preparação jamais escrito n’O Interior, uma vez que levo mais de seis anos a pesquisar regularmente sobre o tema.

EU VI MUITOS ORNITORRINCOS

Emigrantes portugueses

Espécie animal que viaja em bando para Sul nos meses de calor, ao contrário da passarada. Faz os seus ninhos perto dos locais onde nasce, mas com pauzinhos muito mais vistosos. Como não sabe cantar, tem uns amplificadores de centenas de watts na zona lombar, de onde saem umas vozes por cima de uns acordes a que chama “música da minha terra” e onde “emigrante” rima sempre com “distante”.

Viaja sempre com as crias, que habitualmente não conseguem comunicar com a espécie local por desconhecer o código indígena. Compara profusamente o seu pântano de origem com o lago límpido para onde foi viver, embora manifeste algumas saudades do terreno arenoso e pouco saudável onde cresceu.

Quando regressa aos climas frescos, leva na bolsa marsupial bom tinto, gorda chouriça e robusto pão de centeio para ajudar às agruras da invernia centro e norte europeia.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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