O “médium” geral da comunicação está a transformar-se. E devemos prestar atenção a estas transformações e suas consequências. Assistimos nos últimos anos à transição de uma era de “mass media” para uma era de “social media” a que não é indiferente a condição do espaço público e mesmo a possibilidade da sua subsistência. Nem Marshall McLuhan, autor da famosa frase «o meio é a mensagem», adivinharia o rumo que levam os modos de comunicar nos nossos dias! A dissolução de normas básicas de convivialidade e uma comunicação intimidatória vão tornando-se elementos recorrentes da discussão política nas redes sociais, argumentativamente cada vez menos estruturadas, mas emocionalmente cada vez mais vincadas, num quadro onde a trincheira de guerra parece substituir a assembleia plural que servia, até então, de modelo de comunicação nas democracias maduras.
O tema da “pós-verdade” que ganhou atualidade, e justificadamente, nas últimas semanas e meses em muitas páginas de jornais, devia, aliás, ser acompanhado de uma “pós-argumentação”. Hoje, numa rede social, é possível menosprezar tanto um sentido de obrigação ética para com a verdade do que afirmamos como para com a consistência do que argumentamos. E dificilmente se poderia esperar outra coisa quando o critério de aceitação do que afirmamos e do que argumentamos passou a ser, no essencial, a mobilização de “gostos” e não de boas razões.
Esta dissolução até já saltou das margens que eram, apesar de tudo, as caixas de comentários de redes sociais para o coração do próprio espaço público. Por exemplo, sem esta transição de uma era de “mass media” para uma era de “social media”, onde a razão democrática degenera em emoção demagógica, como poderia Donald Trump ter tido tanto sucesso?
Tudo isto merece muita preocupação, não tanto por razões de concordância ou de discordância política, mas pela corrosão das condições que permitiriam debater convicções e divergências serenamente, como exigiria o debate público. A discussão política nas redes sociais e a sua extensão progressiva a todo o espaço de opinião pública vai registando cada vez mais práticas que mais caberiam no quadro de comportamento que caracterizamos como “bullying”. E, no entanto, é preciso não esquecer que espaço público, opinião pública e imprensa são categorias correlatas. Categorias que, na sua interdependência, vão sendo assim todas postas em causa, deixando sob uma séria ameaça o ideal de uma democracia deliberativa, informada, participada, mediada.
Na verdade, e se nada fizermos, o que também depende de uma pedagogia individual de cada um de nós cidadãos, é precisamente a ideia de “meios de comunicação” que arrisca desaparecer das nossas sociedades. Primeiro, porque os “meios”, na instantaneidade da transmissão de impulsos emocionais, quase sempre de recorte agressivo, deixam de mediar o que quer que seja. Em segundo lugar, porque essa transmissão de impulsos também não “comunica” nada. Nem uma verdade, nem um argumento. E mais fundamentalmente: não põe nada em comum quando o que define, na sua essência, a ação de comunicar é essa capacidade de fazer razões de concordância ou discordância serem postas em comum.
Por: André Barata