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Pluvioso

1. O Ministério Público prevê para este ano um aumento da criminalidade violenta. Jurem! Pensem bem! O que levou à crise não foi também uma forma de criminalidade? Suave, asséptica, pautada pelo rito oficial da democracia, ou seja, o sorriso regulamentar dos políticos. Dotada de um perfume hedonístico como álibi perfeito. Com carta branca para actuar, depois de anos e anos em que o bom povo, comovido com o anúncio da boa nova, deu o voto a quem pagaria os cheques e uma ilusão de prosperidade. Só espero que esta nova criminalidade, ao contrário da outra, não fique impune.

2. A polémica nomeação de Celeste Cardona para o C.G. da EDP já motivou uma reacção da visada. Ora, em jeito de balanço existencial, a criatura diz que “não foi ministra”, simplesmente desempenhou “um cargo ministerial”, não foi banqueira, “trabalhou na sua área de especialidade na CGD” e “não será conselheira da energia”, mas irá tão só “exercer as competências previstas no Regulamento do Conselho Geral da EDP”. A jeremiada impressiona, mas não comove uma pedra, nem faria nascer no regaço de Isabel de Aragão uma única rosa. “En passant”, é bom lembrar que, no desempenho das supracitadas funções ministeriais na pasta da Justiça, esta senhora, autêntico gremlin da política nacional, cometeu o maior crime de lesa majestade na área, desde os memoráveis tempos do prof. Varela opinando sobre a dissolução dos costumes devida ao surgimento do divórcio em 1977. Refiro-me à reforma da acção executiva, hoje transformada num pantanal povoado por crocodilos vorazes (os agentes de execução) e de onde é muito difícil sair. A nova conselheira é pois um caso de sucesso. Provando que a estupidez, para além de atrevida, também é multidisciplinar no seu “desempenho”.

3. Talvez graças a algum desígnio celeste, as edições dos jornais “A Bola” e “Record” do dia 16 deste mês tinham exactamente o mesmo título em destaque na capa: “O título por um canudo”. A notícia referia-se ao jogo do dia anterior entre Braga e Sporting. O propósito, como já adivinharam, foi óbvio: criar um trocadilho de circunstância. Coincidência? É pouco crível. Ou seja, tão provável como acertar no euromilhões à 1ª. Concorrência desleal? Conhecerem ambos os directores as capas do concorrente e lançaram-se numa corrida frontal para ver quem se desviava 1º do choque? Será que os respectivos corpos redactoriais têm poderes telepáticos? Simples incompetência? Falta de imaginação? Aceitam-se mais sugestões…

4. A sigla SOPA designa uma proposta que recentemente foi rejeitada no Congresso americano, onde seria permitido às autoridades federais encerrarem sites, imporem regras apertadas ás redes sociais e devassarem o tráfego na Web, sob o pretexto da luta contra a “pirataria”. Um vídeo ilustrativo pode ser acedido no Youtube, em http://www.youtube.com/watch?v=K3ORTCseHD8&feature=share. A proposta em discussão revela todo um programa. No limite, um angélico clip de um bébé editado no Youtube pode ser censurado só porque se ouve uma música de fundo protegida por “direitos” de “autor”. É a permissão para actuar dada a um novo Santo Ofício cibernético, que vela pelos interesses pouco santos da indústria de conteúdos. É o terror, a delação, a auto-censura, a vigilância dos novos zelotas que irão pôr em causa a própria internet. A fome de lucros da indústria encontrou um aliado precioso na agenda oculta do Poder. Nunca como neste caso ficou tão nítida a divergência entre a partilha livre de ideias, acções e objectos de cultura e os interesses das multinacionais e seus capatazes encarregues do lobbing. Depois desta tentativa abortada, o Megaupload (o maior sítio de descargas da web) foi encerrado por ordem do Estado da Virgínia, a pedido da holding Universal. As corporações não desmobilizam, como se vê. Todavia, no final, ver-se-á quem ganha a guerra.

Por: António Godinho Gil

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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