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“Pinus Verde” defende «mão forte» na alteração da legislação florestal

Associação florestal espera que o “cenário negro” sirva para o Governo aplicar soluções políticas de prevenção às florestas

«É preciso coragem política» para se «tomarem soluções» na prevenção dos fogos florestais. Rolando Martins, técnico florestal da Associação de Desenvolvimento Integrado da Floresta “Pinus Verde”, defende uma «mão forte» para alterar «mentalidades e a legislação» para que «na base de um quadro legal se possa trabalhar nas áreas que foram abandonadas pelos proprietários privados». Contudo, tratam-se de «medidas profundas» que implicam «muita coragem». É que a medida não é popular e vai causar «dissabores» aos políticos que tomarem essa decisão, garante.

As «centenas de milhares de hectares de floresta ardidos» nestas duas últimas semanas é o «espelho do abandono que os nossos terrenos têm sofrido», acusa o técnico florestal, com a perfeita ausência de uma «política, de atenção e cuidado» para com a floresta. Daí não ter qualquer receio em “apontar o dedo” a entidades públicas, como o Ministério do Ambiente, e até a certos proprietários de terrenos. «O que me custou ver nestes incêndios é que há pequenos proprietários, com um ou dois hectares, que cuidam dos seus terrenos com meios próprios ou através de fundos comunitários. Por causa dos vizinhos, que são absentistas e que têm a sua propriedade ao abandono, a floresta foi dizimada», explica Rolando Martins. «Aqui há culpa e irresponsabilidade dos proprietários, mas também da fiscalização, porque nestes terrenos não existe política florestal que obrigue a um planeamento ou gestão colectiva da área para que se evite desgraças como esta», acusa. O técnico florestal aponta ainda o facto de «tanta gente querer mandar ou impor na floresta» como ponto negativo para a sua preservação. «Se um pequeno proprietário quiser abrir um caminho, tem de pedir ao ministério do Ambiente. Se quiser fazer outra coisa tem que pedir licença a outro ministério», exemplifica. Uma descoordenação que, aliás, se verificou no próprio combate aos incêndios. «Houve locais em que não vi essa coordenação, nem entendi bem quem é que estava a coordenar», critica.

Os 15 mortos, centenas de milhares de hectares queimados, de pessoas desalojados e «na miséria» que resultam do “cenário negro” dos fogos são factores suficientes para que a população e as entidades competentes alterem as mentalidades. «Se não for com este cenário, julgo que nunca mais se vai fazer nada e a floresta vai continuar completamente ao abandono», sendo vista aos olhos de muita gente como apenas um local onde se planta eucaliptos, sobreiros, cortiça e pouco mais. «A floresta é muito mais do que isso», garante, pois está inserida num meio rural com populações, pessoas e outras actividades, evitando assim a desertificação. «A desertificação é um processo natural do interior, mas ainda havia alguma floresta, agricultura e pecuária, nem que fosse de subsistência. Agora que tudo isto desapareceu, a desertificação vai ser bastante forte», alerta, pois «não é só a questão económica da madeira que está queimada, mas as questões sociais e ambientais que estão postas em causa e que vão custar muitos milhões ao nosso país». A floresta era um factor importante para atrair o turismo para as regiões do interior. Não havendo espaços florestais, também não haverá turismo.

Hectares de floresta ardida ultrapassa recorde dos últimos 23 anos

Para Rolando Martins, a área ardida de floresta ultrapassa os 300 mil hectares que tinha estimado na passada quinta-feira através das imagens de satélite da NASA obtidas pela Internet. Após a Direcção Geral das Florestas (DGF) ter apontado para uma área ardida de 162 mil hectares, o técnico florestal decidiu fazer as contas, que durou cerca de 15 minutos, para chegar a uma estimativa de área ardida de 300 mil hectares. «Comecei a fazer o cálculo das áreas ardidas, que se viam perfeitamente nessas imagens, e quando cheguei aos 250 mil hectares concluí que a área ardida era de 300 mil hectares. Apercebi-me de que já tinha ardido pelo menos o dobro do que foi dito oficialmente», explica.

Apesar de não saber se foi a Protecção Civil ou da DGF a fazer os cálculos, Rolando Martins não percebe a «razão pela qual divulgaram o valor de 162 mil hectares e não um superior, que corresponde à realidade actual». «Não sei se isso aconteceu pelo facto das entidades não terem meios humanos ou materiais», mas a verdade é «que o país estava com um área ardida bastante superior à que saiu cá para fora». O técnico acredita que a área ardida tenha aumentado «consideravelmente» com os fogos que alastravam até terça-feira passada, à hora do fecho desta edição, no Algarve. Também a DGF apontava na terça-feira passada para cerca de 215 mil hectares de área ardida no país, onde não estavam ainda incluído o incêndio que atingia na terça os concelhos de Portimão, Monchique e Aljezur.

Liliana Correia

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