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Pina Manique is back

Cavaco Silva não vetou o superpolícia. O nosso estimado Presidente permitiu a criação do secretário-geral de segurança interna, isto é, promulgou o regresso de Pina Manique. E este Pina Manique socialista terá acesso ao ‘cartão único do cidadão’. Meu caro leitor, repare na terminologia utilizada: ‘secretário-geral de segurança interna’; ‘cartão único do cidadão’. Não são termos literários retirados da distopia de Zamiatine. Não são termos históricos retirados do Estado Novo. São termos que identificam cargos concebidos pelo actual governo socialista. E Cavaco Silva aceitou tudo isto sem dizer nada.

Perante uma lei que cria um Pina Manique com a tecnologia do “robocop”, Cavaco Silva tinha a obrigação de accionar o ABS institucional que tem ao seu dispor (veto). E, já agora, deveria ter dito qualquer coisa como isto: “meu caro José Sócrates, Pina Manique está morto e enterrado e não carece de ressuscitação”. Mas não tivemos a sorte de ouvir estas sábias palavras. Cavaco Silva aprovou a entrada do superpolícia no aparelho judicial como se estivesse a aprovar um superenfermeiro destinado ao sistema de saúde. Para o Presidente, esta promulgação constituiu apenas um acto burocrático na gestão dos serviços do estado.

A atitude de Cavaco Silva é uma amostra perfeita da cultura política do regime. A classe política portuguesa apenas discute a eficácia do ‘estado social’ e nunca discute a qualidade do ‘estado de direito’. Nas cabeças de Cavaco e Sócrates, a concentração de poderes no superpolícia vai acelerar processos e poupar muito dinheiro ao erário público; e devido a esta obsessão quantitativa, esquecem um pormenor qualitativo: num Estado de Direito, a utilidade burocrática não é o factor que determina a legitimidade política de um cargo público.

O poder executivo não pode lidar com os polícias da mesma forma que lida com os enfermeiros ou professores. A polícia não pertence à esfera burocrática do ‘estado social’. A polícia pertence à esfera política do Estado de Direito. Quando um governo democrático centraliza os hospitais ou as escolas, estamos perante um acto de gestão corrente. Quando o mesmo governo centraliza as polícias, então, já estamos perante um acto político ilegítimo. Um superpolícia – com ligação umbilical ao primeiro-ministro – é uma característica dos regimes autoritários. Vem nos livros.

Este episódio revela, mais uma vez, o carácter ‘apolítico’ e tecnocrata deste regime viciado nas contas do estado social. Meu caro leitor, quando você coloca o seu voto na urna não está a eleger um político, mas sim um técnico de contas.

Pés de barro

Recomendo um livro ao pessoal que anda fascinado com a – suposta – grandeza da China: ‘O Grande Bluff Chinês’ (Bizâncio). Thierry Wolton revela aqui as fragilidades chinesas que o regime comunista gosta de esconder: as revoltas campesinas que varrem a China rural; a corrupção endémica; a crise demográfica originada pela política de filho único; a mão-de-obra desqualificada; a incrível escassez de água potável provocada pela poluição. Um país sem água para beber é grandioso em quê?

Por: Henrique Raposo

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