Arquivo

Pias, santuários e sacrifícios (II)

Nos Cantos do Património

No texto anterior escrevemos sobre o santuário de Panóias (Vila Real) com as suas pias e tanques escavados na rocha destinados a sacrifícios rituais. Na Beira Interior não se conhecem santuários comparáveis aos de Panóias nem pias relacionadas com rituais proto-históricos. A maioria das pias escavadas na rocha foi classificada como lagares de vinho ou azeite. No entanto, algumas dessas cavidades não se enquadram facilmente na tipologia mais comum dos lagares justificando-se a apresentação, embora prudente, de outras interpretações para as referidas estruturas rupestres. É o caso de umas cavidades escavadas num penedo granítico no recinto da capela da Senhora da Torre, em Pinhel.

Neste local, um tanque rectangular, com pouca profundidade, foi escavado num maciço granítico localizado a poucos metros da ermida medieval. Um segundo tanque mais pequeno, de forma quadrangular, situado quase ao mesmo nível do tanque maior e ligado a este por um canal, serviria de “pia”. A face do penedo onde se escavaram os recipientes foi alisada de modo a obter-se uma superfície plana entre o tanque e a pia. Não sabemos porque razão se alisou a pedra mas é possível que ali tenha sido gravada uma inscrição. No entanto, não se detectou qualquer vestígio de letras gravadas.

Na pequena “pia” foi escavado outro canal de escoamento. É possível que a pequena “pia” contactasse com um terceiro tanque, actualmente oculto, através desse pequeno canal escavado na superfície do maciço rochoso. A terra que cobre a área envolvente não deixa ver outras possíveis estruturas associadas a esta construção. Apenas uma intervenção arqueológica no local poderia trazer alguma luz sobre a sua funcionalidade e a sua cronologia.

Não sendo fácil era, no entanto, possível fazer vinho nesta estrutura rupestre. A recolha do líquido na pia depois do esmagamento das uvas ou outras bagas, fazia-se com alguma dificuldade. Mas que outra funcionalidade poderia ter esta construção localizado no recinto de uma igreja medieval?

Sobre a existência destas pias não há nenhuma informação documental. Mas nos documentos do século XIV (ano de 1395) a capela de Nossa Senhora da Torre servia como ponto de delimitação do reguengo de Pinhel, onde teria sido colocado um marco e é referida com “outeiro de Sancta Maria da Torre”. O topónimo “Sancta Maria da Torre” é bastante sugestivo. No entanto, não há elementos arqueológicos que comprovem uma ocupação do local antes da Idade Média. Apenas as lendas e tradições associadas à capela nos dão algumas pistas.

Com efeito, no século XIX, Pinho Leal registou duas lendas relacionadas com a capela da Sr.ª da Torre. Uma dessas estórias é sobre um homem de Pinhel, embarcado para as índias, que foi capturado pelos Mouros e encerrado numa torre em Marrocos. Tendo conseguido fugir da grande torre regressou a Pinhel onde mandou construir uma capela próximo da sua vila para retribuir à Virgem pelo milagre da sua libertação. Esta lenda não parece ter qualquer fundamento pois a capela já existia no século XIV, muito antes dos portugueses se aventurarem nos mares das índias.

A outra tradição também recolhida por Pinho Leal parece-nos mais próxima da verdade. Segundo o autor, no século XIX a população contava que o nome da capela derivava de uma antiquíssima torre que havia no lugar onde agora está a igreja. Desmantelada a fortificação, aproveitou-se a pedra para construir a capela em cujo recinto se encontram as pias rupestres.

Por: Manuel Sabino Perestrelo

perestrelo10@mail.pt

Sobre o autor

Leave a Reply