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Peregrinos da Guarda e Covilhã pelo caminho da fé até Fátima

Dizem que a fé move montanhas, mas por esta altura também move muita gente que palmilha longos e sinuosos quilómetros até ao santuário de Fátima. Todos os anos, partem da Guarda e da Covilhã grupos de peregrinos que põem à prova a sua força de vontade e devoção.

Fé, força de vontade e foro psicológico a trabalhar são os três companheiros que não podem faltar na hora dos peregrinos se fazerem ao caminho. Quem o diz é Luís Almeida, o responsável por um grupo de cerca de 50 pessoas que, às seis da manhã de sábado, partiu da Guarda rumo a Fátima. «É um bocado complicado», reconhece o organizador, que já palmilha há vários anos os longos e sinuosos caminhos até ao santuário. Para este veterano tudo começou com uma promessa, não à Virgem Maria, mas a um amigo: «Um senhor, que morreu há muitos anos, disse-me que não tinha ninguém que fizesse o caminho dele. Eu até lhe disse uma coisa que se calhar não devia: pode morrer à vontade que eu faço o seu serviço», lembra Luís Almeida, visivelmente emocionado. Desde então nunca mais parou. Chega a ir a Fátima «duas ou três vezes» por ano e recomenda a quem se mete neste caminho que não o deve fazer «se não tiver fé».

De Celorico da Beira a Vila Cortês, passando pela Chamusca da Beira, Torrozelo, Miranda do Corvo, Ansião e Caxarias, o grupo de Luís Almeida faz cerca de 40 quilómetros por dia e amanhã tenciona chegar ao destino final. «Ficamos para dia 13. Só voltamos quando acabar o adeus», antecipa o organizador, que arranjou um autocarro do GD das Lameirinhas para todos os anos ir buscar a Fátima 25 pessoas. «Há sempre alguém que chega lá e quer vir embora. É uma viagem que satura muito», reconhece Luís Almeida. Durante o trajeto não há espaço para desalento, mas o que não faltam são dissabores: «Eu tento evitar isso, com a ajuda do meu cunhado e da minha mulher. Só que há sempre uma ovelha que sai fora do rebanho e isso é complicado», declara o mentor do grupo, revelando que, às vezes, também tem que fazer «de enfermeiro, médico e psicólogo. O meu sorriso nunca falhou».

E nada melhor que a chegada ao santuário para fazer esquecer as dores e o cansaço da viagem. «O que digo às pessoas é para terem gosto em chegar porque quando chegarem verão uma imagem vestida de branco numa capelinha», antecipa, entre lágrimas, garantido que isso, aliado ao facto de chegarem com toda a gente, «é a melhor coisa que pode acontecer». Mas será a fé suficiente para percorrer mais de 200 quilómetros? «Já cheguei a ir com 180 pessoas», responde Luís Almeida, segundo o qual este é um caminho para miúdos e graúdos. «Todos os anos vão mais jovens», constata. E há preparação física para aguentar esta viagem? «Não, as pessoas é que sabem aquilo que podem fazer», responde, alertando que o calçado «é muito importante». «Tudo o que for velho serve. Sabe quantas vezes é que eu corto a ponta das sapatilhas às pessoas? Todos os anos, quatro ou cinco por causa dos dedos dos pés», conta Luís Almeida.

Um caminho palmilhado por veteranos, mas que não afasta principiantes

A cerca de 40 quilómetros da Guarda, em Manteigas, Susana Quaresma arrumou a trouxa e na segunda-feira partiu em direção a Fátima. Foi agarrada a uma promessa de quando estava a estudar: «Estou com um pouco de receio em relação a tudo porque não sei mesmo o que me espera», afirmou a O INTERIOR a jovem de 25 anos que se aventura neste caminho pela primeira vez. «Acho que a principal dificuldade talvez sejam bolhas nos pés ou até a retenção de líquidos», antecipa a peregrina, que, em tom de brincadeira, confessa que não perguntou muito sobre o percurso para não se assustar. O seu grupo chegará a Fátima amanhã e no sábado Susana Quaresma regressa porque «a minha promessa é chegar lá e não ficar».

De Vales do Rio, na Covilhã, partiu Ricardo Quelhas. Rumo a Fátima pela segunda vez, este ano, ao contrário do anterior, foi sem promessa e fez-se ao caminho para «agradecer». O apoio e a entreajuda entre as cerca de 200 pessoas que integram o seu grupo não podem faltar: «A Cruz Vermelha trata de todos nós na chegada e durante o percurso também, bem como os carros de apoio que nos vão reabastecendo com água e dando reforço de comida», refere este residente no Colmeal da Torre (Belmonte) de 30 anos, que não esquece as pessoas que vão na frente para preparar as refeições. «No nosso caso em particular, agradeço ao senhor Luís e ao Fernandito, que são incansáveis, são o apoio direto do nosso grupo, que pertence ao Carvalhal Formoso», adianta o peregrino.

Os quilómetros percorridos, «as dores musculares, as bolhas nos pés e as poucas horas de recuperação» são as principais dificuldades que todos enfrentam. No seu caso, viveu no ano passado uma situação complicada. «Fiquei sem força nas pernas e não consegui fazer um troço. Nunca me tinha acontecido», recorda Ricardo Quelhas. Mas nem isso o demoveu e chegou a Fátima: «Vim numa carrinha de apoio até à Sertã, onde fiz muito gelo e medicação, e na manhã seguinte voltei a caminhar», conta. Apesar de ser jogador de futebol, admite que «nunca se está preparado» para uma viagem destas: «As pessoas pensam que para os desportistas é mais fácil, mas não é bem assim, pois o nosso músculo é treinado para um certo tipo de esforço que não o de caminhar durante horas a fio, sempre ao mesmo ritmo», justifica.

Sara Guterres O grupo de Luís Almeida saiu da Guarda no sábado em direção a Fátima

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