A recente polémica em torno da escolha de Lisboa para candidata a acolher a Agência Europeia do Medicamento expõe problemas de base do país, mas não configura qualquer novidade. De há muito que “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem” é uma realidade, mais ou menos hiperbolizada. Só atenuada pelas “migalhas” distribuídas por outras cidades médias-grandes (por norma o Porto, para ser mais preciso), pelas promessas feitas em anos de eleições locais (aí estão elas) e pelos projectos de regionalização (agora titulados planos de descentralização) cheios de boas intenções e escassas convicções.
É uma realidade mais oficiosa do que oficial, mais subentendida do que proclamada. Independentemente do que vier a ser revelado pela imprensa nos próximos dias, é muito provável que a pré-escolha de Lisboa tenha decorrido de um processo mental quase intuitivo, e não tanto excludente. O resultado destes processos mentais e, por conseguinte, de decisão, é verificável no agravar das assimetrias regionais de um país em que o Interior é cada vez mais e só paisagem para turista ver e político prometer.
Não espanta, portanto, que com autárquicas à porta – e depois do desaguisado do PS com Rui Moreira, no Porto – o Governo se veja obrigado a reformular a candidatura da capital para tentar esvaziar o coro de críticas que se ergueu contra o centralismo do Executivo socialista. Centralismo nada compaginável com a declarada intenção do primeiro-ministro, António Costa, de fazer de 2017 o ano da descentralização. Porém, meras reformas administrativas feitas por e a partir de Lisboa de nada servirão se, na “capital do império”, continuar a imperar um sentimento de caridade em relação ao Interior.
É preciso mudar mentalidades para que o pequeno território do país seja encarado como uno e merecedor de atenção. Caso contrário, em vez da teoria europeísta enunciada no século XIX por Almeida Garrett (“Portugal na Balança da Europa”), será a balança do país a pender de tal forma para Lisboa (e para o Litoral) que Portugal já não estará, como hoje, dividido em dois, mas amputado da metade interior, muitas vezes só recordada pela força das chamas. A recente aposta na valorização das florestas é um bom passo, mas que se agradece mais aos incentivos de Bruxelas do que à lembrança de Lisboa.
Só que não basta ao poder central deixar de ser centralizador. É necessário que no Interior vingue – repito o que escrevi nesta coluna há quatro anos – uma visão suprapartidária que privilegie a interconexão de realidades distintas e aposte na complementaridade. Ou seja, que promova a diferença de forma integrada e coerente numa lógica de unidade regional. É aqui que o poder político local tem um papel a desempenhar se se quiser afirmar. No entanto, o panorama autárquico apresenta-se desolador. À persistente ausência de estratégia soma-se a insistência na tentativa (condenada ao fracasso) de constituir as várias capitais de concelho em polos de atracção turística. Quer-se fazer a montante o que só pode ser feito a jusante.
Por: David Santiago