Arquivo

Pela boca morre o peixe ou como consumir gato por lebre

sinais do tempo

“Que a tua alimentação seja o teu melhor remédio”; ou “uma maçã por dia afasta-te dos médicos”, são ditados populares que continuam a ser verdadeiros.

A relação entre saúde e alimentação é uma constante da vida, o excesso, tal como a carência, encurtam-na.

Nos anos 70, do século passado, percebeu-se que os Nórdicos e os Norte Americanos tinham maior incidência de doença cardiovascular, quando comparado com os congéneres mediterrâneos. Avaliaram-se as diferenças entre as dietas e percebeu-se que os segundos comiam mais peixe “azul”, azeite, legumes e cereais. Ou seja, em termos técnicos as gorduras eram predominantemente mono insaturadas e, consequentemente, ricas em ómega 3. Por outro lado, alguns estudos colocaram em evidência a necessidade de comer fibras e gorduras não saturadas como forma de prevenir o cancro do intestino. Outros apontavam para os anti-oxidantes e vitaminas. Assistiu-se também à problemática do flúor, primeiro suplementa-se, depois duvida-se e finalmente retira-se.

O mote estava lançado para a indústria da alimentação, havia que identificar nos alimentos as substâncias, isolá-las, produzi-las e vendê-las em produtos de “alto valor para a saúde”.

A indústria alimentar percebeu que se os investigadores trouxessem para o grande público as conclusões dos estudos e se os media generalistas falassem do assunto de forma credível, bastaria então alguns biliões de euro em publicidade para vender o produto e arrecadar mais valias. Ganhariam os publicitários, a indústria, talvez os consumidores e indirectamente o estado previdência. Surgiu deste modo uma nova palavra no dicionário “os alicamentos”, ou seja, meio alimento, meio medicamento. Leite, ovos e iogurtes com ómega 3, sumos com vitaminas, produtos originalmente sem valor nutricional aos quais lhe são adicionadas proteínas e vitaminas, leites ou manteigas aos quais se tirou o máximo de gordura e depois se acrescentou gordura vegetal e cálcio, margarinas modificadas, as fibras, os bifidus activos ou os L. Casei, os pró active, etc. A ideia é convencer o consumidor que se pode alimentar e em simultâneo tratar, deitando para o lixo os comprimidos “altamente tóxicos para o equilíbrio humano”, podendo aderir sem reticências à comida de plástico sem que essa atitude crie deficiências.

Qual a vantagem de beber leite magro enriquecido em cálcio, se, em teoria, o leite meio gordo já deveria possuir idênticas concentrações? Fará sentido comer um ovo enriquecido em ómega 3, quando acompanhado de uma sarda cozida e azeite? Enriquecer os sumos com vitaminas se a fruta fresca as deve conter?

No Japão e nos EUA entraram na cadeia de distribuição mais de 2000 produtos diferentes que vão desde a pastilha elástica com vitaminas, às bolachas com colagéneo que prometem maravilhas dermatológicas.

Para todos os efeitos estes produtos são manipulados, retirando aquilo que se julga ser prejudicial associando-se o que se julga ser benéfico ou noutros casos apenas se associa e nada se retira. Mas podemos alimentar-nos exclusivamente deles?

Claro que não, porque por exemplo sem ómega 6 (presentes nas gorduras saturadas) o nosso sistema imunitário debilita-se. Nos anos 70 todos reagimos contra os aditivos e corantes adicionados aos alimentos. Davam-lhe melhor aspecto e permitiam maior duração, sabor e frescura. Mas as dúvidas e os abusos levaram à regulamentação e os pais, apavorados, começaram a olhar para as letras e números pequeninos nos rótulos das embalagens. O mesmo se devia ter passado há muito tempo com os “alicamentos”. A Comissão Europeia, preocupada exigiu que os países legislassem e alguns já o fizeram, outros (como o nosso) estão a fazê-lo.

Os consumidores já o deviam ter exigido há muito. Como sempre, aceitaram como verdade tudo o que a publicidade lhes vende.

Facto é que estes produtos são muito mais caros que os alimentos originais. Por outro lado, o consumo de alimentos variados e frescos, confeccionados de forma correcta, conseguem de forma equilibrada fornecer tudo quanto precisamos para viver, e bem.

Vamos exigir (e ainda bem) à indústria alimentar que nos diga se aquilo que nos vende é mesmo bom para saúde, mas quando iremos exigir à indústria que produz os medicamentos “naturais” (às vezes são apenas complexos vitamínicos) que apresente estudos fiáveis em relação às indicações e à relação custo benefício?

Para que se perceba o negócio, deixo como exemplo a Ginkgo Biloba, comercializada como produto “químico”, doseada a 40 mg custa 17 cêntimos por unidade, enquanto o mesmo produto “natural” doseado a 120 mg custa 41 cêntimos por unidade (em promoção). Preços semelhantes por grama, contudo a dose recomendada pelo Infarmed é de 40 mg três vezes por dia enquanto nas embalagens dos produtos “naturais” é de 120 mg três vezes ao dia, sem que este aumento de dose se reflicta em qualquer vantagem para o consumidor, excepto a económica – para quem vende, claro.

Chegou a altura de consumirmos a lebre e não o gato, distinguindo o trigo do joio.

Por: João Santiago Correia

Sobre o autor

Leave a Reply