Arquivo

Pedra maneirinha – as pedras dão dinheiro?

Nos Cantos do Património

No final da tarde de terça-feira, 26 de Agosto de 2003, um camião incomodava o trânsito na estrada de Pinhel-Guarda. Ia carregado com pedra “maneirinha”, a pedra coberta de musgo e envelhecida de muros, de “moroiços” e de casas arruinadas que vão embelezar as vivendas dos arredores de Madrid. A destruição do património construído continua a fazer-se ao ritmo dos camiões fretados por intermediários que enriquecem à custa da venda deste património beirão.

Ao longo de séculos, talvez milénios, os muros de pedra solta bordejaram os campos agrícolas e as pastagens da Beira Interior. A pedra foi envelhecendo, foi-se cobrindo de musgo, foi sendo “adoptada” pela natureza, integrando-se na paisagem como se fosse mais um elemento natural. A pedra foi amontoada nos muros e nos “moroiços” pelos agricultores que, ao lavrarem o terreno, se deparavam com pedras que empatavam o arado. Esses muros funcionaram, igualmente, como excelentes cercas para o gado que pastava e para a delimitação da propriedade. Mas eles são, sobretudo, o testemunho da tenacidade do Homem em luta permanente com uma Natureza inóspita e com um solo que necessitava de ser “amaciado” para que frutificasse. Esses muros de pedra “maneirinha” são, por isso, uma marca cultural da Beira que merece ser respeitado, valorizado e preservado para as próximas gerações.

Inúmeras vezes, essas pedras arrancadas do solo pelos arados pertenciam a alicerces de habitações antigas que a terra devorou. Não poucas vezes, sob os terrenos cultivados, sob as vinhas, sob os olivais preparados ao longo de séculos, se descobrem os restos dos edifícios das construções lusitanas e romanas. As pedras que travavam o arado eram retiradas do terreno e amontoadas nos muros. Por isso, em alguns desses muros estão escondidas pedras de moinho pré-históricas, machados de pedra polida, pedras de altar, capiteis e fustes de colunas romanas e tantos outros testemunhos materiais da História do Homem nestas paragens. Quantos desses elementos metidos entre a pedra “maneirinha” não serão, também, vendidos ao desbarato e carregados para ornamentar um jardim em Espanha?

A pedra “maneirinha”, vendida a um preço simbólico pelos agricultores, não traz riqueza à região. Antes a torna mais pobre, pelo menos a nível histórico e patrimonial. Com efeito, a paisagem tem um valor histórico significativo uma vez que foi sendo construída por inúmeras gerações que procuravam conquistar aos “barrocos” alguns farrapos de terra de onde retiravam o seu magro sustento. Agora tem sido desfigurada com pilhagens que pouco acrescentam ao rendimento das pessoas que cá vivem.

Sobre o autor

Leave a Reply