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Pátria ditosa

Editorial

1. A demissão de Vítor Gaspar foi recebida como um alívio. O ministro das Finanças era o principal responsável pela imposição de um programa de ajustamento que determinou enormes sacrifícios aos portugueses, sem sucesso. A política de austeridade tinha de dar lugar à política de crescimento, e Gaspar não tem lugar nesse guião. Mas Gaspar não se podia demitir antes de fechada a avaliação da troika. A sua responsabilidade, em especial por ser o principal culpado pelo processo de ajustamento imposto aos portugueses, tinha de fechar as contas com os credores. E depois partir.

Após o abandono do responsável pela política financeira dos últimos dois anos, também Paulo Portas decidiu bater com a porta. Não terá gostado da escolha da sucessora de Gaspar e pediu demissão. Agora que havia alguma esperança de que se abrisse um novo ciclo político e económico, com a rutura de Portas com Passos Coelho o governo terá de se demitir. Quando o país precisava de equilíbrios e entendimentos alargados, Portas abandona o barco. Na verdade, Paulo Portas há muito que começou a escrever a carta de demissão ao primeiro-ministro. Há muitos meses que o líder do CDS mostra discordâncias de fundo com Passos Coelho, e há muitos meses que iniciou um processo de desvinculação do governo, pois sabe que a sua base de apoio não aceita muitas das decisões impostas por Gaspar. Um dia estava com um pé dentro do governo e outro dia estava quase fora. Agora fica com os dois pés de fora à espera que o governo caia.

Passos Coelho pode continuar a governar e a contar com o apoio de Cavaco Silva (e da bancada do PSD que pode ser maioritária sempre que o CDS se abstenha), mas é um primeiro-ministro cada vez mais isolado e incapaz de tirar o país do buraco em que está metido. Quando precisávamos de soluções e de um caminho para mudar a situação trágica em que o país se encontra, os nossos políticos vão cavando um buraco cada vez maior para enterrar os portugueses. Gaspar, Portas, Passos… todos são responsáveis pelo estado deplorável em que Portugal está. Mas se olharmos para o lado não encontramos alternativa. O estado do país é o reflexo do domínio dos aparelhos partidários sobre a vida politica, com líderes cujo currículo têm na política a única atividade reconhecida. «Esta é a ditosa pátria minha amada. Não./Nem é ditosa, porque o não merece./ Nem minha amada, porque é só madrasta./ Nem pátria minha porque eu não mereço/ A pouca sorte de ter nascido nela» (“A Portugal”, Jorge de Sena).

2. A instalação de um mostrador de contagem decrescente (countdown) para a entrada em funcionamento do Data Center da PT na Covilhã foi um extraordinário momento de marketing e promoção do investimento… e da cidade. Mas muito mais relevante do que a oportunidade de exibir a força do projeto foi a exposição e descrição do estado em que se encontra o maior investimento privado da região: em fase final de construção civil e de instalação, já a contratar pessoal e com a afirmação de que dia 23 de setembro entrará em funcionamento o maior data center português e um dos maiores da Europa…

Zeinal Bava aposta na «ligação do Data Center da Covilhã ao mundo» e afirma que a região será diferente a partir do momento em que este novo equipamento esteja a funcionar. A região agradece! Ou talvez não, mas devia, porque um investimento desta natureza, que vai criar 400 postos de trabalho diretos em setembro, além dos indiretos, pode mudar a face da Covilhã e alavancar de forma excecional toda a região – em tempos de austeridade isto sim que é uma grande notícia.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
Nuno Morais nunorolomorais@gmail.com
Comentário:
A ideia é bonita, mas demasiado romântica. Sou completamente a favor do regresso das feiras e mercados para o centro da(s) cidade(s). Mas cuidado, as cidades são sistemas complexos e é preciso analisá-las como um todo. A ideia de trazer o mercado das frutas para a “Praça Velha” só seria viável se se trouxesse para ali todo o negócio instalado no edifício junto à central de camionagem. A não ser assim, seria uma feira a brincar para turista ver (e nem turistas temos…), porque os profissionais instalados no referido edifício não iriam deslocar-se com todos os equipamentos e mobiliário para um sítio com menos condições de trabalho. Não há estacionamento para automóveis juntinho à Praça Luís de Camões e o (longo) inverno impediria as pessoas de aderirem a deslocar-se ao local. Se fosse possível e economicamente viável, a mudança definitiva do verdadeiro Mercado Municipal, a Praça Luís de Camões ganharia, mas os fluxos de trânsito ao centro trariam inevitavelmente problemas muito complexos. A cidade não deve evoluir à custa do esvaziamento de determinadas zonas para dinamizar outras e é preciso perceber o que é positivo e tem potencial para evoluir. O “bunker” de betão no Bonfim…” é um belo “bunker”! Percebo que as pessoas não o entendam assim. Mas eu, como arquitecto, vejo ali um edifício de uma contemporaneidade incrível, embora algumas das suas qualidades eminentes tenham sempre ficado por concretizar e a sua imagem desvirtuada por falta de atualização do pormenor. É, por exemplo, uma estrutura pensada para tirar partido da iluminação zenital natural indirecta (luz natural a penetrar no interior vinda de janelões nas coberturas e reflectida nas paredes, minimizando o aquecimento excessivo nas épocas quentes, indesejável junto de produtos alimentares frescos). Isto nunca “funcionou” porque se utilizaram vidros demasiado opacos, martelados e aramados, os viáveis na época da sua construção; e porque se utilizaram acabamentos pouco indicados nas paredes de reflexão para esse fim. Hoje seria possível, com muito pouco, inundar o edifício de luz natural. Por outro lado, o piso térreo permite uma interessante flexibilidade de adaptação e os pisos superiores, embora um pouco menos flexíveis, estão bem dimensionados e articulados, podendo receber novas soluções de acessos e saídas de emergência. As coberturas planas de cotas próximas das do largo Monsenhor Alves Brás permitem torná-las acessíveis e tirar partido da paisagem com a possibilidade de introduzir estruturas leves para a permanência de pessoas (cafés, quiosques, lojas…). A localização deste equipamento em relação à cidade, com as condições de acesso e estacionamento, são uma “pérola” na Guarda. Com algum arrojo, mas com viabilidade, uma torre elevador e um passadiço aéreo a partir da cota atual do estacionamento, poderia transpor facilmente as pessoas para o Largo de São Francisco e deste para a rua do tribunal, através de rampas entre este e o antigo Hotel. Acreditem. A reformulação do Mercado Municipal e da (urgente) Central de Camionagem poderá resultar num conjunto de grande valor para a cidade e conforto para os utilizadores directos, podendo contemplar a possibilidade do mercado se estender sazonalmente para a rua de forma sustentada e apelativa. Acreditem que o edifício em causa, com uma pequena intervenção, se pode transformar também num fantástico objeto para a fotografia. Dêem-me o projeto por favor! Tenho outras ideias para a Praça Luís de Camões, pensando em ocupações mais permanentes… devemos refletir, por exemplo, na possibilidade de permitir algum estacionamento (só) no inverno, sem fundamentalismos! E outras coisas… Obrigado Luís Batista por lançares a discussão.
 
nuno morais nunorolomorais@gmail.com
Comentário:
O meu comentário anterior, era obviamente, para o editorial anterior sobre a proposta do merdado na “Praça Velha”
 

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