Arquivo

Parque de Merendas na Atalaia causa polémica

Vizinhos queixam-se de não ter água por causa do empreendimento

A construção de um parque de merendas na Barroca Seca (classificada como Reserva Ecológica Nacional) está a provocar o descontentamento de alguns populares da Atalaia, anexa da freguesia do Teixoso, no concelho da Covilhã. Em causa está o facto do empreendimento – levado a cabo por uma comissão de compartes eleita para gerir os terrenos baldios – estar supostamente a retirar a água que é captada de nascentes na Serra da Estrela, o único meio de terem o precioso líquido uma vez que a povoação não tem saneamento nem rede pública de abastecimento.

Esta é pelo menos a convicção de José Matos Pais, um dos principais contestatários, para quem a construção do empreendimento causou a seca da nascente que lhe fornecia água «desde 1976, e tenho um documento a comprovar a legalização dessa exploração». Embora reconheça o grande período de seca que se vive, o morador rejeita que a nascente tenha secado «de um dia para o outro». Para ele, só há uma causa: «Eu deixei de ter água, bem como a minha sogra, a partir do momento em que construíram os poços no parque», afiança, dizendo ter «dúvidas da legalidade» do investimento. «Não assisti a qualquer eleição daquela comissão de compartes», alega, não sem antes criticar a «falta de segurança» da obra, nomeadamente a inexistência de uma vedação na pequena barragem ali construída e que chega a atingir os dois metros de profundidade. Também as casas de banho do parque de merendas suscitam dúvidas, pois «poderão contaminar os lençóis freáticos da zona uma vez que não há saneamento», receia.

A situação, que já se arrasta há quase um mês, agravou-se há cerca de duas semanas atrás, altura em que os ânimos se exaltaram entre José Matos Pais e o presidente da comissão de compartes, tendo a GNR tido que intervir no local. Tudo porque os tubos que José Matos Pais tinha colocado num dos poços para captar água para sua casa e a da sogra foram cortados, «com o consentimento da comissão», salienta. De resto os tubos voltaram a ser novamente cortados na semana passada. Para Marco Pais, presidente da comissão de compartes, trata-se apenas de uma «vingança» de um habitante, rejeitando qualquer responsabilidade no assunto. Apesar de discordar que a nascente tenha secado por causa da construção do poço, o responsável está a ponderar a possibilidade de chamar um geólogo da Universidade da Beira Interior para «analisar a área e a nascente em causa», admitindo «reparar os prejuízos» em caso de responsabilidade. No entanto, rejeita as acusações de que o parque de merendas esteja ilegal, lembrando que o mesmo resulta de uma candidatura à medida 3.4 da AGRIS, «de luta contra os seres bióticos (pragas das florestas) e abióticos (incêndios)», explica.

«Todo aquele baldio está regido pelo regime florestal obrigatório», salienta, assegurando que «tudo o que foi feito no local foi com o consentimento da Direcção Regional de Agricultura da Beira Interior (DRABI)». Marco Pais garante ter cumprido a lei e os regulamentos «na íntegra» e lembra que não descurou a limpeza das matas e das bermas do caminho de terra no hectare de baldio sujeito à candidatura. «O financiamento máximo é de apenas 25 mil euros. O parque não retirou nenhuma verba à limpeza da mata nem à construção de pontos de água para combater os incêndios», acrescentou o responsável. No entanto, uma parte do projecto resulta ainda de verbas no âmbito do projecto Grão a Grão 2, promovido pela associação de desenvolvimento rural Beira Serra, e no qual consta a construção dos fontanários, poços, canalização e lavadouro.

Junta do Teixoso pondera tomar medidas para legalizar captações de água

Marco Pais não vê «qualquer prejuízo» na construção do parque de merendas com a possibilidade de vir a ser mais tarde uma praia fluvial. «O parque pretende acima de tudo dinamizar a freguesia e trazer receitas para a povoação com a realização de eventos», sustenta. A seu ver, e apesar de reconhecer as dificuldades da localidade, a ilegalidade surge apenas nas captações de água que estão a ser feitas nas nascentes, sem controlo nem racionamento. «Em muitos casos está-se a esbanjar a água para a via pública. Há ligações directas aos ribeiros, o que coloca em risco o caudal e propicia ainda mais os incêndios por causa da diminuição da humidade na floresta. Há pelo menos 18 tubos a captarem a água das nascentes e aposto que muitos estão ilegais», acusa.

Situação que Carlos Mendes, presidente da Junta de Freguesia do Teixoso, reconhece, até porque muitos dos habitantes – que não possuem furos próprios – utilizam as nascentes para consumo humano e rega. «Se tivéssemos que cumprir a legislação, todas as nascentes estariam registadas na DRABI. Isso não acontece, à excepção de quatro ou cinco nascentes», refere. Apesar de nunca se ter envolvido na questão, por reconhecer as dificuldades da freguesia, Carlos Mendes admite a possibilidade de «se repensarem algumas regras a longo prazo, porque a verdade é que estão a retirar água, mas não a pagam». A solução passará então pela construção da barragem da Atalaia, esperando o autarca que o projecto, ambicionado há anos, tenha dotação financeira do Governo para ser concretizado. “O Interior” ainda tentou contactar a técnica da DRABI que validou o projecto, mas esta recusou prestar declarações sem o consentimento oficial da direcção daquele organismo.

Liliana Correia

Sobre o autor

Leave a Reply