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Parabéns, Eduardo Lourenço!

Notícias do Bloqueio

No momento em que o Centro de Estudos Ibéricos assinala os 90 anos do seu patrono, com uma jornada de pensamento à volta da vida e da obra do autor de O Labirinto da Saudade, nós só podemos erguer os corações ao alto e, como quem paga um tributo coletivo de gratidão, dizermos ao Mestre: “Parabéns, Eduardo Lourenço! Bem-haja!”

Ninguém como ele, na história da cultura portuguesa, partilhou connosco tão larga e funda aventura de pensar, numa pedagogia persistente em louvor do homem e da aventura criadora, emprestando sempre uma dimensão universal às palavras e às coisas da sua cosmovisão, mesmo quando o objeto da sua atenção se prende com a realidade próxima, seja do pequeno mundo rural de S. Pedro de Rio Seco, o seu locus nascendi, seja da sociedade portuguesa no seu sono temporal de séculos.

É que Eduardo Lourenço, cidadão do mundo, é aquele que sabe explicar as coisas, numa relação arterial em que particular e geral se combinam, afugentando sempre para longe a portuguesa propensão de olhar a realidade com olhos de provinciano paroquialismo, com suas guerras de “alecrim e manjerona”, os seus tiques de cátedras bafientas, as suas invejas de maus pagadores. As suas polémicas foram sempre outras, pensamento autónomo dentro das questões, crítica aos dogmatismos, elogio da heterodoxia. E sempre, mesmo quando os continentes do saber e da política eram outros, Portugal como questão.

As suas geografias do conhecimento, tão próximas do Brasil, como da França, da Itália ou da Alemanha, o seu distanciamento crítico da “nesga de terra debruada de mar” originária, os seus contactos culturais, o seu coração intimamente europeu, fizeram dele um pensador planetário, como alguém, recentemente dizia, a propósito de Edgar Morin.

A natureza do seu pensamento tem, de facto, essa dimensão global. Explicando-se, na filosofia profunda ou no ensaísmo imediato sobre a atualidade, numa viagem que, à semelhança de Elliot, contém sempre o passado e o presente para abrir caminhos fecundos de futuro, nunca fez outra coisa senão explicar-nos a nós próprios, como povo, desmontando a sua mitologia e os seus traumas, os seus sonhos de grandeza imperial ou os seus dramas de pobre gente embarcada na história trágico-terrestre da emigração pelo mundo.

O que nós aprendemos com ele, na leitura dos seus textos! A literatura e a cultura que nós fomos, todos, guiados pela sua mão, nas páginas luminosas que escreveu!

A todas essas circunstâncias, que definem Eduardo Lourenço como pensador e escritor, há que somar uma outra que tem a ver com a fidelidade à terra mater e à sua região de origem, a Beira Interior. No planalto agreste, a dois passos da fronteira, de agro escasso e muitas pedras, onde os fios de água são sulcos da sede na estiagem, em S. Pedro de Rio Seco, com a sua topografia de aldeia quase fora do mapa e a torre da igreja ainda a sobressair da pequena unidade urbana, Eduardo Lourenço tem a raiz e a seiva dos afetos, o universo mítico do seu “Paris-Texas”, como um dia escreveu.

No universo das suas navegações de memória, a Guarda é um território afetivo especial e não faltam sinais desse “(e)terno olhar” de Eduardo Lourenço sobre a cidade que ele imaginou um dia, no recorte austero da Catedral, como um “navio de pedra” arpoado numa espécie de montanha mágica, ou em páginas belíssimas, às vezes de sentido auto-biográfico, em que evoca uma Guarda espectral, com a transparência branca da neve, quando, como ele diz desse tempo da infância e adolescência, “da verdadeira Guarda só me eram familiares o frio, a neve, o nevoeiro, o vento imemorial, o céu varrido, a aparência sideral”.

O nosso Eduardo Lourenço – nosso, da Beira – que tanto nos tem dado, com o seu génio criador, com a sua aventura de pensar, bem merece estes dias de festa do pensamento e da cultura, à volta do seu nome e da sua obra, na cidade que ele ama e ajudou a projetar no futuro.

Por: Fernando Palouro Neves

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