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Para sempre Sefarad

Diário Interior

Nas últimas semanas temos assistido pela televisão e pelos jornais ao que parece ser um crescente sentimento de antipatia para com os judeus. Ataques a sinagogas, um relatório europeu escondido na gaveta por ligar a comunidade islâmica à vaga de anti-semitismo, uma sondagem que mostra que os europeus consideram Israel o país mais perigoso do mundo. Será apenas um fenómeno extemporâneo que se mistura com o desprezo por Ariel Sharon ou uma atitude menos tolerante para com Israel no conflito que opõe esse país aos seus vizinhos árabes? Nada disso. O anti-semitismo vem de longe. De muito longe. E para nossa vergonha, 200 anos depois das primeiras revoluções liberais, 60 anos depois do Holocausto e quase 15 anos depois da queda do Muro a Europa multicultural continua a ter medo e a desprezar os judeus.

Nada disto é novo. A estranheza pelo sentimento judeu de fechamento e não-pertença sempre incomodou os povos à volta. Já na Antiguidade Clássica os judeus foram dos poucos, se não os únicos, a resistir à total helenização no espaço da bacia mediterrânica. A noção de ser o povo eleito e uma fraquíssima vocação de proselitismo também ajudaram a criar alguma desconfiança. O anti-semitismo marcou também toda a história do Cristianismo. Aos judeus foi imputada a morte de Cristo e, mais importante, o facto de não terem reconhecido em Jesus, nem estarem dispostos a fazê-lo, o Messias anunciado. A forma como o episódio de Barrabás é contado nos quatro evangelhos é disso sintomático. Jesus foi crucificado porque o povo de Jerusalém e os seus líderes religiosos – todos judeus – não se importaram. Quando perguntados, preferiram libertar um salteador porque não acreditaram nas palavras de salvação de Jesus Cristo. Daqui à criação de um imaginário popular em que os judeus são considerados traidores e pouco escrupulosos não vai um grande passo.

A imagem dos judeus por essa Europa fora, durante a Idade Média, não foi melhor. Foram sempre acusados de várias coisas, inclusive de serem os causadores da Peste Negra. Perseguidos e depois expulsos da Península Ibérica – provavelmente a decisão política mais trágica de toda a história de Portigal –, apenas a Holanda os recebeu com alguma tolerância. O facto da acumulação de capital não ser culpabilizada, a proibição de serem proprietários de terra e principalmente a elevadíssima alfabetização dos judeus – obrigatória para o cerimónia do bar mitzvah, a entrada de facto dos judeus na comunidade – levou a uma presença desproporcional de judeus, em relação à população em geral, nas elites económicas, culturais e científicas, embora nunca chegassem a ser maioritários, como algumas vezes se fez crer. Os Protocolos dos Sábios do Sião, inventados na corte czarista russa, ou a sanha hitleriana, duas tentativas de provar uma suposta maquinação judaica para tomar conta do mundo, eram naturalmente infundadas.

Hoje a esquerda acusa Israel dos pecados do capitalismo e do imperialismo. Já no Mercador de Veneza, Shakespeare fez de Shylock um judeu que vive das transacções financeiras. Que se redime no fim com a sua conversão ao Cristianismo. Mas a esquerda moderna vai directamente a Marx e ao seu retrato do judeu prestamista. A mesma imagem que justificou as perseguições anti-semitas do nazismo e do comunismo.

A principal razão já a explicou Steiner. Hitler não se cansava de dizer que a culpa dos judeus era a de ter “inventado a consciência”. Sempre que a Humanidade se aproximou de um ponto de ruptura, ali estavam os judeus a questionar eticamente o caminho da desgraça, lembrando a expulsão do Paraíso, o Dilúvio ou Sodoma. No Antigo Testamento importa mais a expiação que a salvação. O mundo optimista saído do Positivismo e do Racionalismo não gosta de ser recordado que a culpa do sofrimento do ser humano é de si próprio.

PS: A semana passada, no mesmo dia em que escrevia nestas páginas um texto sobre o terrorismo islâmico e a apatia da Europa, uns turcos estiveram em Lisboa e bombardearam por três vezes um grupo de portugueses e brasileiros que passeavam ali para as bandas de Alvalade, sem que estes esboçassem qualquer reacção. Como diz Oriana Fallaci, quando os muçulmanos vêm atacar à nossa terra, o nosso mundo está perdido. Ou pelo menos a Taça UEFA desta época.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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