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Para Não Dizerem Que Não Falei de Chopin

Senhor Lopes: Agradecia que o senhor não divulgasse por aí que é advogado, ou português, ou do sexo masculino, ou habitante do planeta Terra, que existe algum risco, embora pequeno, admito-o, de as pessoas nos confundirem. É que eu sou beirão e ensinaram-me umas coisas quando era pequeno. Ensinaram-me que é feio insinuar, que isso é coisa de “gaja” – não de mulher, que as nossas mulheres dizem o que têm a dizer. Ensinaram-me que o boato é a forma mais cobarde da difamação, porque é anónimo, não é refutável e é gratuito, que cada um dos elos do boato apresenta como caução uma multidão de opiniões anónimas – e inverificáveis. É por isso que o senhor foi duplamente cobarde, e a cobardia não é aceitável entre homens, ao lançar uma insinuação suportada por um boato. É por isso também que eu tenho vergonha de poder ser confundido consigo. Isto apesar de eu ter mais cabelo, ser mais alto (ou é o senhor que de repente me parece muito mais pequeno?) e mais bonito.

Aquilo que o senhor fez em Famalicão não pode ser desculpado pelo “calor da campanha”, ou ser arrumado ao lado das outras frases infelizes deste mês, ao nível do ataque de Francisco Louçã a Paulo Portas. É muito pior. Louçã pode desculpar-se pelo facto de estar num debate e ter sido provocado. Você não, você encenou tudo. Teve Luís Filipe Menezes a preparar-lhe o caminho, arranjou mil figurantes, todas mulheres, e lançou duas ou três frases assassinas, cuidadosamente planeadas. Entretanto, pela Internet e por SMS o boato era alimentado, de hora a hora; os cartazes que o seu partido espalhou pelo país jogavam com os mesmos subentendidos; era fotocopiada a primeira página de um jornal, reproduzindo as suas insinuações, depois espalhadas pelo centro de, entre outras, a minha cidade – para minha especial vergonha.

Depois, hoje mesmo, a coisa piorou. Você foi triplamente cobarde quando desmentiu as suas próprias insinuações e nos chamou estúpidos a todos – dez milhões de portugueses, deduzidas mil minhotas, o Luís Filipe Menezes e parte, apenas parte, do PSD (que ainda há muita gente de bem no PSD, que aliás se envergonha de si). E você desceu à mais abjecta, mais crapulosa, mais sórdida das profundezas quando teve o descaramento de invocar a sua amizade por José Sócrates. Amigo? É isto para si, a Amizade?

Há outra coisa. Um dos maiores combates civilizacionais do nosso tempo é o da tolerância e você esteve do lado errado neste infeliz episódio, em que aceitou colocar-se ao lado do pior, mais preconceituoso, mais retrógrado lado da nossa sociedade. Pior ainda, e diz-mo quem conhece pessoalmente José Sócrates, baseou-se numa MENTIRA.

É por isso, senhor Pedro Santana Lopes, que eu vou ter de votar PS – e não votava há quase dez anos. Como poderia permitir que uma pessoa como você, que passei a desprezar como político e como homem, continue a ocupar o cargo de primeiro-ministro?

Post Scriptum: não percam o artigo de Medina Carreira no Público de hoje (“A verdade não mora aqui”), disponível em http://jornal.publico.pt/2005/02/01/Nacional/P10.html. Era disto que deveria tratar a campanha eleitoral.

Por: António Ferreira

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