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Para Maiores de Dezoito Anos

Peço aos senhores deputados da nação o favor de se lembrarem de que, ocasionalmente, há crianças a assistir aos debates parlamentares. Seja nas bancadas do Parlamento, seja na televisão, há futuros eleitores, ainda a formar a sua personalidade, como também a sua cidadania, a assistir a coisas como a que vou relatar (bem mais vergonhosas do que o vocabulário de alguns dos deputados).

Na semana passada, ouvi na TSF o primeiro-ministro a exigir a Paulo Rangel, não sei se a propósito no correr da discussão do dia, que explicasse ao país a razão de o PSD exigir ao governo no Parlamento que pagasse as dívidas aos fornecedores do Estado, quando na Assembleia Municipal de Lisboa tinha acabado de chumbar uma proposta do PS de financiamento da Câmara para esta poder pagar aos seus próprios fornecedores. Tenho a dizer, antes de mais, que quer a proposta do PSD no Parlamento, quer a do PS na Assembleia Municipal, são pertinentes: uma das maneiras mais justas e menos onerosas para o país de se injectar dinheiro na economia deve ser o pagamento de dívidas do Estado. Esse dinheiro irá permitir a manutenção de postos de trabalho, o investimento das empresas, o pagamento de impostos ao próprio Estado. Era por isso pertinente a pergunta do primeiro-ministro e deveria ter sido respondida.

E que respondeu Rangel? Que Sócrates estava era a fugir à questão que ele próprio lhe tinha colocado sobre segurança interna, e não diz uma palavra sobre a aparente incoerência do PSD no pagamento aos fornecedores do Estado, em geral, ou da Câmara Municipal de Lisboa, em particular. Sócrates insiste e, pela segunda vez, pede uma explicação, e Rangel, pela segunda vez, não responde: que Sócrates, provavelmente, está é interessado em ser presidente da Câmara em Lisboa (a bancada do PSD explode em gargalhadas e aplausos). Foi mais ou menos por aqui que comecei a reparar na voz do Paulo Rangel e a achá-la particularmente estridente e irritante. Mas Sócrates voltava já à carga, acusando o PSD de hipocrisia, assinalando à passagem o facto de que o empréstimo da Câmara de Lisboa ir servir sobretudo para pagar dívidas contraídas por Santana Lopes e aproveitando o resto do tempo disponível para falar um pouco sobre segurança interna (apesar de os números de 2008 serem piores que os de 2007, são melhores do que os de anos anteriores). Rangel vem de imediato em defesa da honra, que não admite que o acusem de hipocrisia (como é terrivelmente irritante aquela voz…), e atira ao Sócrates com o Magalhães (gargalhadas na bancada do PSD) e com a promessa dos 150.000 empregos, mas não responde à questão.

Não respondeu nem irá responder, até porque só podia dizer uma coisa: “pagar dívidas em Lisboa ajuda o PS, que fez a proposta, e isso não nos interessa, e pagar dívidas no resto do país ajuda-nos a nós que tivemos a ideia” (se não foi essa a razão, agradeço um esclarecimento). É com coisas assim que os jovens perdem o respeito pelos políticos, ou que começam a perguntar coisas como “para que serve um deputado?” com cara de quem nem quer saber da resposta.

Por: António Ferreira

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